ARISTÓTELES – Ética a Nicômaco, Livro I

A exposição da ética aristotélica dirigida a seu filho Nicômaco compreende, no Livro I, treze itens cujos temas centrais resumimos:

Item I: Todas nossas ações visam alcançar diferentes tipos de bens, mas como estes variam de acordo com os fins particulares pretendidos, o melhor seria procurar neles o bem em si, distinto das ações.

Item II: Este bem acima de nossos fins é o sumo bem (absoluto). Esta procura é mesmo uma arte suprema, arte mestra, que deve ser procurada não só pelas pessoas, individualmente, mas será muito melhor se for procurada coletivamente, na ordem política da polis (cidade-estado).

Item III: Contudo, as dependências políticas da ética podem torna-la relativa, pela própria complexidade de seus resultados, fazendo mártires os corajosos, assim como doentes os imoderados. Dessa forma, contentemo-nos apenas em obter algumas verdades, das quais os jovens sentem grande dificuldade em alcançar, pois não têm preparo quando se trata de agir.

Item IV: Ora, o objetivo da ética é a obtenção da felicidade (eudemonia), mas esta sofre grande diferença quando tratada pelo vulgo ou pelos sábios, pois o vulgo compara a felicidade ao prazer, riqueza ou ostentação. Contudo, muitos conseguem perceber que acima dos bens imediatos há um bem subsistente e causa da bondade de todos os demais. Para tanto, há dois caminhos: das ações para os princípios ou, vice-versa, dos princípios para as ações, conforme sugeriu Platão. Não obstante, Aristóteles acha que devemos começar pelas ações como são exercidas por nós, o que exige conhecimento e hábito, esclarecimento e boa educação, conforme sintetizou Hesíodo em um de seus poemas.

Item V: Aristóteles elenca três tipos principais de vida : a felicidade vista apenas na fruência de prazeres; segundo, as honrarias e benesses da vida política e, finalmente, a vida contemplativa. No que se refere a vida reduzida à obtenção de prazeres, Aristóteles a considera bestial e escrava; quanto a vida pública, considera a honra como concessão do público ( o que não é bom). Não obstante, há os que consideram a honra como um atestado de bondade, reflexo de suas virtudes pessoais, porem estas variam muito em sua consistência.

Item VI: A preocupação é quanto à ideia do bem universal, na esteira das concepções platônicas e Aristóteles vai contrariá-las, apesar de suas amizades com o Mestre. Assim, começa argumentando que o bem pode ser usado tanto na categoria de substância, qualidade ou relação, o que impediria a sua conceituação como uma ideia comum. Exemplos:

– o bem como substância: Deus
– o bem como qualidade: as virtudes
– o bem como relação: sua utilidade, seu momento apropriado, sua intensidade, etc

Ora, em função dessas diferenças, não pode haver uma única ciência que possa englobar uma ideia de bem universal, como forma abstrata. É verdade que os platônicos procuram diferenciar entre os bens tomados em si mesmos (como referência), dos bens subsidiários, que os corroboram e os preservam. Assim, torna-se possível distinguir o bem em si de seus condicionantes utilitários ou prazerosos. A ideia do bem seria então produto de um denominador comum obtido por via casual ou analógica? Não obstante, se ela existe, torna-se vazia e inatingível pelo homem. Pois o essencial é perceber o bem e sua perfeição nos seus usos práticos.

Item VII: Na variedade de nossas ações, o importante é ter em mente suas finalidades. Porém, como estas estão sempre submetidas a uma perspectiva relativa, nossa mente procura uma finalidade absoluta, que inclua todas as finalidades relativas. Aristóteles diz: ‘chamamos de absoluto e incondicional aquilo que é sempre desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa’. E prossegue: ‘Ora, esse é o conceito que preeminentemente fazemos da felicidade. É ela sempre procurada por si mesma e nunca com vistas em outra coisa’. ‘A felicidade é, portanto, algo absoluto e autossuficiente, sendo também a finalidade da ação’. Ora, no que se refere ao homem em suas atividades, o bem supremo é seu labor intelectual, por ser isto que o distingue de todos os outros animais. Porém, este labor intelectual deverá vir acompanhado de práticas virtuosas.

Item VIII: A diferença entre bens exteriores e bens interiores. A preferência é pelos bens da alma, pois o homem feliz vive bem e age bem. A felicidade ora é comparada com as virtudes, a sabedoria prática, a sabedoria filosófica, a prosperidade e a honra, etc, e é provável que ela esteja um pouquinho em cada um desses aspectos. Não obstante, a felicidade é uma virtude de ação; e esta ação deve vir sempre acompanhada de prazer e alegria pelo que se faz. A felicidade é, pois, a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo, e seus atributos não se acham separados, como na inscrição de Delos: ‘Das coisas a mais nobre é a mais justa; e a melhor é a saúde; mas a mais doce é alcançar o que amamos’. Não obstante, ela necessita dos bens exteriores.

Item IX: Como atingiremos a felicidade? Pela aprendizagem, pelo hábito, ou por alguma espécie de adestramento, ou mesmo crer que ela seja uma dádiva dos deuses? Por ser a melhor, a felicidade só pode ser dádiva divina. Contudo, poderá ser conquistada também por uma espécie de estudo e diligência, uma prática de vida pública, orientando as pessoas para que sejam boas e capazes de nobres ações. Conclui-se portanto que a felicidade não é um estado natural, mas fica a mercê de superar muitas vicissitudes da vida.

Item X: Não devemos esperar a morte para dizer se fomos felizes ou não, como pensava Solon. Pois apesar dos muitos percalços da vida, um estado de felicidade demanda a superação permanente de tudo que possa contrariá-la. Pois a prática das virtudes é o que mais é duradouro na vida, superando o próprio conhecimento das ciências e nenhum homem feliz pode tornar-se desgraçado, porquanto jamais praticará atos odiosos e vis. E isto está acima do azar ou da fortuna.

Item XI: A desgraça e o infortúnio afeta a vida dos mortos? Na dúvida sobre se os mortos participam de qualquer bem ou mal, temos que concluir que afetariam muito pouco a sua tranquilidade.

Item XII: A felicidade é para ser louvada ou estimada? Os louvores da felicidade estimulam as pessoas a praticarem as virtudes, pelas suas bem-aventuranças. Não obstante, a felicidade, por ser um primeiro princípio, demanda muito mais a estimação e a perfeição de nossos atos bons.

Item XIII: A natureza da virtude é cheia de percalços, pois depende do funcionamento adequado do corpo e da alma. O homem verdadeiramente político é aquele que goza a reputação de haver estudado a virtude acima de todas as coisas, pois com isso contribuirá para que os seus concidadãos sejam bons e obedientes às leis. Ensiná-los a serem comedidos e que eduquem suas incontinências. Pois os conselhos dos pais e dos amigos são úteis para suprir os elementos irracionais de nossa alma.