RENÉ DESCARTES – Meditações Metafísicas: Meditação Terceira e Meditação Quarta

TERCEIRA MEDITAÇÃO

Há que se procurar uma base para se afirmar que um conhecimento é verdadeiro. De início observo que tudo o que percebo clara e distintamente é verdadeiro, o que me impede de percebê-lo como falso.

Portanto, da ideia que tenho de Deus posso inferir que Ele não é enganador, porém, sinto que ela é bastante frágil, metafísica. Não obstante, o caminho é meditar sobre que gêneros de certeza que tenho em minha mente, para assim certificar-me de sua veracidade.

Percebo entre meus pensamentos que uns são imagens abstratas ou ideias e outros são volições de afirmações e negações e ainda há outros que são apenas quimeras, do que posso concluir que se diferenciam como atos de vontade ou juízos.

Depois percebo que as ideias, tomadas em si mesmas, nunca podem ser falsas, pois mesmo sendo de um objeto concreto ou uma quimera, não é menos verdadeiro que as percebo.

Dessa forma, devo enfocar apenas os juízos, prestando atenção em não me enganar, pois eles, mesmo relacionando-se com as coisas, não possuem nenhuma semelhança substancial com a exterioridade.

Assim, há uma diferença entre as ideias como imagens das coisas e outras que se dão autonomamente. Ora, a concepção da existência de um Deus soberano, eterno, infinito, imutável, onisciente, onipotente e criador universal de todas as coisas tem em si mais realidade objetiva que todas as substâncias finitas que me são apresentadas.

Ainda mais, percebo que deve haver tanta realidade na causa eficiente quanto no seu efeito, este como resultado da autonomia própria de sua causa. Na continuidade, percebo que o que é mais perfeito e, portanto, possui mais realidade, não pode ser decorrência do menos perfeito. Trata-se aqui de uma realidade formal, tão evidente quanto qualquer juízo de fato.

Dessa forma, sou conduzido a concluir que meu espírito contém realidades formais como quadros ou imagens que estariam além de minhas condições naturais e cuja causalidade intrínseca não pode regredir ao infinito, devendo parar numa primeira, origem de toda  a série.

Este princípio é a ideia de DEUS, que concebo como uma substância infinita, eterna, imutável, independente, consciente e onipotente e pela qual todas as  coisas foram cridas. Concluo, pois, que Deus existe, a partir da ideia de uma substância infinita, que não teria surgido só de mim, que sou uma substância finita.

Esta ideia do infinito não surge a partir da negação do finito, mas sim do fato de que ela foi inserida em mim por Deus, como uma realidade mais consistente do que poderia eu ser. Esta ideia não pode ser falsa, pela mesma maneira que intuo sobre a realidade do frio. O critério da verdade é que as ideias sejam claras e distintas enquanto as concebo. A ideia do perfeito não poderia surgir em mim, que sou imperfeito, mas sim de Alguém que me inspirou a concebê-la.

QUARTA MEDITAÇÃO

A ideia de DEUS não pode ser enganadora, pois esta representa fraqueza e insinceridade e Deus não é assim. Também, a capacidade minha de julgar me foi concedida por Deus e meus erros, como carência, não foram dedos por Deus. Eles são apenas resultado de algum conhecimento que eu deveria possuir.

Assim, percebo que meu reto conhecimento depende de duas coisas, meu entendimento e minha vontade; pelo entendimento, apenas percebo, afirmando ou negando algo; já pela vontade, oscilo em minhas capacidades de escolha, pelo livre arbítrio que me foi concedido pelo Criador.

Portanto, no entendimento sou iluminado pela luz da verdade em meus juízos, o que não acontece com a ação de minha vontade, que fica suspensa pela ação de uma graça divina que me orienta.

PLATÃO – Excerto de A República (livro X)

Platão pretende discutir arte, moral e filosofia na última parte de sua República, iniciando pelo debate sobre criatividade e imitação, ambas produtos da ideia que se tenha de uma paisagem ou de uma mesa. Sem dúvida, a ideia da coisa, criada por Deus, recebe diferentes tratamentos, seja do artista ou do carpinteiro, condicionando, portanto, o estilo imposto à obra.

A arte teria alguma finalidade, além da estética? Sim, porém de forma subsidiária, como aperfeiçoamento das pessoas e da cultura.

PLATÃO – Excerto do Diálogo Hípias Maior

O objetivo de Platão é discutir sobre a natureza do belo. O diálogo começa com uma conversa entre Sócrates e Hípias, o primeiro relatando a interferência de um interlocutor perguntando a Sócrates qual o critério para reconhecer entre o belo e o feio.

Em sua pretensa ignorância, Sócrates apela a Hípias que o ajude a caracterizar o que são o belo e o feio. Iniciando o debate, Sócrates pergunta se o justo não é obtido pelo conceito de justiça, o mesmo não ocorrendo pelo belo, obtido pelo conceito de beleza.

Sócrates pergunta se todas as coisas belas não são apenas aparências do que é belo em si, que deixa belas todas as coisas.

THOMAS HOBBES – Leviatã

Para entendermos o espírito do LEVIATÃ de HOBBES, temos que situar a situação política da Inglaterra no século XVII, abalado pela tentativa de OLIVER CROMWELL de estabelecer a república, pela primeira vez, naquele país, cujo resultado foi o assassinato do rei Carlos I, monarca do qual HOBBES havia sido preceptor.

Assim, segundo HOBBES, a humanidade vive em duas situações: o estado de natureza (status naturae) e o estado de sociedade (status societatis), sendo que no primeiro vigora a lei da guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes), como nas sociedades primitivas ou em beligerância. Já para viver no estado de sociedade, esta efetua um contrato, no qual todos abdicam da anarquia, pela concessão da soberania a um chefe, absoluto, tornando os demais seus súditos, como garantia de paz.

No LEVIATÃ, o Estado é entendido sob a forma de um monstro marinho, citado no Antigo Testamento, no qual HOBBES pretende que a paz social só será garantida através deste modelo, pois não há outra forma de conter o desregramento das pessoas e da sociedade.

Eis-nos diante de uma atitude pessimista em torno da vida humana em sociedade (homo homini lupus), o homem é o lobo do homem ), e por isso se tornam justificáveis as formas de governos autoritários, antípodas de qualquer sentido democrático, o que o coloca, sem dúvida, como um representante do absolutismo governamental.

Fracassada a revolução de CROMWELL, a Inglaterra só pode conseguir relacionar-se pacificamente com o Parlamento em fins do século XVII, com o acordo célebre assinado na Catedral de Westminster, no qual o Rei reina, mas não governa, o modelo de parlamentarismo monárquico vigente até hoje naquele país.

Verificamos, portanto, que a obra de HOBBES deve ser considerada vinculada a seu tempo, o que representa um sério obstáculo em sua autonomia.

TALES DE MILETO – Doxografia

Na ausência de dados concretos sobre a vida e a obra do primeiro filósofo grego, o texto nos brinda com uma doxografia (de doxa, opinião), ou seja, diversos comentários de alguns filósofos posteriores sobre o mesmo. Assim temos:

ARISTÓTELES: Para este filósofo, os chamados pensadores pré-socráticos tiveram como preocupação o estabelecimento de um elemento ou princípio físico que pudesse dar explicação para o surgimento de todas as coisas (arqué), que para TALES era o elemento água, depois de ter observado que tudo na Natureza contém alguma forma de umidade. Depois, no opúsculo Da Alma, comenta o fato de que TALES pensava que tudo está cheio de deuses (hilozoísmo), a partir do movimento de tudo, como a pedra imantada que atrai o ferro.

SIMPLÍCIO: em sua Física, comenta o fato de que, para Aristóteles, os físicos pré-socráticos foram deficientes em submeter a causa de todos  os fenômenos a um princípio sensível, como fez TALES ao observar que tudo contém uma forma de água.

CRÍTICOS MODERNOS

GEORG FREDERICO HEGEL: Comenta que a filosofia começou estabelecendo absolutos, depois de divinizar todos os objetos, considerando-os sagrados, como deuses. Ora, sobressumir os fenômenos, considerando-os como um em-si e para-si é uma exigência singular de nosso espírito, que deseja  superar a constante transformação das coisas , o que constitui o motivo de fundo para todos os pensadores. O erro de TALES foi considerar um elemento físico como algo universal, abstrato.

FRIEDRICH NIETZSCHE considera razoável e próprio que TALES tenha considerado a água como princípio universal, por três motivos:  primeiro, porque esta proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; em terceiro lugar, porque nela está contida, em gérmen, a expressão “Tudo é Um”. Ora, isto faz de TALES o primeiro filósofo grego, porque estabeleceu, pela primeira vez, um princípio que não é apenas de natureza científica, mas que caracteriza, de forma especial, o pensamento filosófico: a superação da empiria, a todo custo.

Nietzsche comenta o feito extraordinário de Tales, ao superar uma verdade que não é apenas simbólica, mas que guarda uma relação empírica com os fatos, demonstrando ser não-místico e não-alegórico, o que era comum em seu tempo. Como astrônomo, foi um observador frio do Universo, um verdadeiro sábio (de sapiens, degustador), a arte peculiar do filósofo.

DAVID HUME – Da Liberdade e Necessidade

Seção VIII da Obra “Investigação Acerca do Entendimento Humano”.

O Autor começa o texto considerando que, historicamente, não tem havido um acordo prévio sobre os sentidos dos termos empregados em qualquer questão, o que tem impedido alcançar-se os resultados coerentes. Daí as desavenças nas doutrinas. Mesmo supondo que as faculdades espirituais de todos os homens sejam semelhantes, ainda assim eles se envolvem em questões que estão acima de suas condições normais de entendimento, como saber sobre a origem do mundo, a organização do sistema intelectual ou o reino do espírito. Continue lendo

THOMAS S. KUHN – A Função do Dogma na Investigação Científica

Objetivo : Trata-se de abordagem inovadora sobre as relações existentes entre os pressupostos dogmáticos encontrados entre as diversas teorias dos pesquisadores e suas revoluções científicas, apesar de que haveria uma opinião corriqueira de que dogma e pesquisa científica não se misturam. Continue lendo

NICOLAU MAQUIAVEL – O Príncipe

Maquiavel reflete o espírito do Renascimento em três de suas características essenciais: ao acentuar, e mesmo exagerar, o papel dos líderes, traduz o relevo particular que a época empresta ao indivíduo; ao preocupar-se com a ação, inspira-se no sentido renascentista voltado para o dinamismo, em contraste com a era medieval, no qual o imobilismo do espaço se sobrepunha ao ritmo do tempo; e, ao retornar aos antigos, para sorver-lhes a sabedoria, enquadra-se na atitude que deu à Renascença o seu próprio nome. Este caráter exemplar da antiguidade decorria, para Maquiavel, na crença da constância da natureza do homem e na admiração pelas virtudes da Roma Republicana que, por força da sua visão cíclica da história, esperava ver renascer.

A partir dessa nova ética – e a necessidade de apontar para uma ética maquiavélica, é mais um dos paradoxos daquele que é considerado a encarnação do imoralismo – Maquiavel retorna, e transforma em símbolo, o conceito devirtù, deusa pagã, a ela apenas se referindo em sua forma italiana e no singular, em contraste com o plural latinovirtudes, de origem cristã.

O PRÍNCIPE – No exílio, ao enviar sua carta a Lourenço de Médici (1492-1519), Maquiavel declara explicitamente que está escrevendo um manual de conselhos para os príncipes e, de modo particular, para o novo príncipe de Florença, da família Médici, acerca de como manter o controle sobre um principado e de como governá-lo e também na esperança de conseguir um cargo na nova administração.

Capítulo I

1) Quantas espécies de principado descreve Maquiavel e quais são elas?

Ele identifica três tipos de principados: os hereditários, os novos e os mistos.

2) Como poderia um príncipe conseguir um principado?

Um novo príncipe poderia conseguir um principado por conquista, por fortuna (sorte) ou por virtù.

Capítulos II e III

1) Por que é mais difícil um novo príncipe manter o poder do que um governante hereditário?

O novo príncipe terá de procurar apoio e impedir que as facções tradicionais se tornem muito fortes.

2) Que métodos, pode o príncipe utilizar para manter o poder nos territórios de que se apossou?

Se os territórios recém conquistados forem semelhantes ao Estado existente, o governante deverá fazer desaparecer a linha dinástica do Senhor que neles imperava, mas deixar inalteradas suas leis e seus impostos. Se os territórios acabados de conquistar forem diferentes do Estado antigo, seria prudente que o novo príncipe neles passasse a residir; que estimulasse a colonização, que guarnecesse o território e manipulasse as potências vizinhas, de modo a tornar temerária a sua invasão.

3) Que exemplos apresenta Maquiavel de governantes que anexaram territórios alheios com sucesso? E sem sucesso?

Os antigos romanos anexaram com sucesso territórios alheios, ao passo que as tentativas de Luís XI da França nesse sentido não foram coroadas de êxito.

CAPÍTULO VII

1) Maquiavel cita exemplos de um príncipe que conquistou o poder por meio de sua própria virtù e de outro que o conseguiu por sorte. Quais os exemplos que apresenta?

Francisco Sforza, Duque de Milão, é citado como exemplo de um príncipe que ascendeu ao poder por virtù própria; César Borgia, Duque da Romanha, é apresentado como exemplo de quem conquista o poder por sorte (fortuna).

2) Para manter-se no poder, que ações um príncipe faria bem em imitar?

César Bórgia

CAPÍTULO X

1) Como se deveria avaliar o poder de um principado?

Meramente em termos de sua força militar

2) Quais as cidades que possuíam excelentes fortificações?

As cidades da Alemanha

CAPÍTULO XI

1) Maquiavel é de opinião que o governo de um principado eclesiástico revela ser mais fácil ou mais difícil? Que razões dá ele para reforçar este ponto de vista?

Maquiavel considera menos difícil governar um principado eclesiástico, porque o direito auferido pelo governante de exercer o poder teria o apoio das instituições religiosas. O poder permanecerá com a Igreja, mesmo que o governante, por si mesmo, aja sem contar com a fortuna e a virtù.

CAPÍTULOS XII e XIV

1) Quais são os fundamentos essenciais de um Estado?

Boas leis e boas armas

2) O que é de primordial importância para a segurança de um Estado?

Um exército próprio

3) Qual a arte que é de muitíssima utilidade a um príncipe?

A arte da guerra

CAPÍTULO XVI

1) Deve um príncipe ser pródigo ou miserável?

De início ele deverá ser liberal (ou, pelo menos, ter esta reputação) para alcançar o poder; mas, uma vez no poder, convém que seja avaro, o que evitará que ele tenha de sobrecarregar de impostos os seus súditos. O príncipe deve ser pródigo com as riquezas advindas de territórios conquistados – recompensando tanto os soldados como os cidadãos.

2) O que deve um príncipe evitar?

O ódio e a ignomínia

CAPÍTULO XVII

1) Deve o príncipe ser cruel ou piedoso?

Um príncipe não deve ser cruel indiscriminada ou gratuitamente. Há casos em que a crueldade é, de dois males, o menor; por exemplo, seria preferível que o príncipe mandasse executar os desordeiros, evitando a possibilidade de uma guerra civil e preservando a prática da lei e da ordem. Uma compaixão excessiva por parte de um príncipe (e, em especial, por parte de um novo príncipe) pode aumentar, em determinadas circunstâncias, a instabilidade e a ineficiência de seu regime.

2) É preferível que ele seja amado ou que seja temido?

O príncipe deve esforçar-se por ser ao mesmo tempo amado e temido, mas, por causa da natureza ingrata e caprichosa do homem, é essencial que, pelo menos, seja temido.

3) O que ele deve evitar?

Ele não deve apoderar-se da propriedade ou das esposas dos seus súditos, pois isto nunca lhe será perdoado.

4) A reputação de crueldade será desvantajosa para ele?

Num líder militar, uma tal reputação pode constituir uma vantagem positiva para a disciplina das tropas.

CAPÍTULO XVIII

1) Devem os príncipes manter suas promessas?

Apenas quando seja conveniente fazê-lo

2) Por que deve o príncipe estar pronto a agir como um animal?

A primeira responsabilidade de um príncipe é a de permanecer no poder. Consegue-o, por vezes, empregando meios legais; mas há casos em que ele se vê obrigado a recorrer à força bruta. Deve imitar, da raposa, a astúcia, a fim de poder distinguir as armadilhas, e, do leão, a ferocidade e a força, para afugentar o inimigo.

3) Um príncipe pode permitir-se ser virtuoso?

Não é prudente que um príncipe seja virtuoso, já que tem de lidar com homens perversos. Deve assumir apenas a aparência da virtude.

CONCLUSÃO: A contribuição mais marcante que Maquiavel deixou como cientista político, foi, talvez, a maneira franca com que separava a esfera política da religiosa. A política, tradicionalmente, não era considerada uma atividade autônoma.

IMMANUEL KANT – Textos Seletos

1) Trata-se da coletânea de 7 textos retirados da edição alemã de Wilhelm Weischedel: Immanuel Kant, Werke in sechs Bänden, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darmstadt, 1956-1964, com tradução do original alemão por Raimundo Vier (os prefácios da Crítica da Razão Pura) e os demais tradução de Floriano de Souza Fernandes, com a introdução geral a cargo de Emmanuel Carneiro Leão.

2) Com o título Ideologia, filosofia e pensamento, o Autor da Introdução nos relata a dependência de toda ciência a uma linguagem (semântica), que acaba por impregnar qualquer tipo de conhecimento, seja ele científico, filosófico, estético ou religioso, mitológico ou crítico. Dessa forma a epistemologia se mascara em ideologia, transformando a natureza de qualquer ciência ou conhecimento.

3) Tendo em vista o esclarecimento dessas questões, os Textos Seletos ora apresentados resumem a contribuição de Kant, que escreveu os prefácios da Crítica da Razão Pura, de 1781 e de 1787 e alguns opúsculos menos conhecidos:Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade, O fim de todas as coisas, resposta à pergunta: que é Esclarecimento?, Que significa orientar-se no pensamento? E, Sobre a discordância entre a moral e a política a propósito da paz perpétua.

4) O que Kant nos oferece é a conceituação da chamada filosofia transcendental, que ele define: “Chamo transcendental todo conhecimento que se ocupa não tanto com os objetos, mas com nossa maneira de conhecer os objetos, enquanto um tal conhecimento tenha de ser possível a priori“. Ao que poderíamos resumir: como é possível a objetividade enquanto apreendida pelos sentidos e pelas categorias do entendimento, mesmo se transformando numa semântica de conhecimento? Vê-se que a filosofia de Kant se afasta dos objetos para questionar as próprias possibilidades de sua postulação, num esforço de consistência metafísica.

5) Para tanto Kant nos diz, no prefácio à primeira edição da Crítica da Razão Pura (1781), que a razão humana, desde o início de sua postulação, vê-se envolvida em paradoxos insolúveis, por não poder dar conta dos princípios que ela mesma estabelece, na tentativa vã de explicar a realidade última de tudo. E assim fomos conduzidos ao dogmatismo, ao ceticismo e ao indiferentismo.

6) Ora, para superar tudo isso, Kant nos diz ter escolhido o caminho da crítica da razão pura, isto é, o conhecimento que ela possa atingir, por si mesma, independentemente de toda experiência, uma pura metafísica, que ele acha poder ter alcançado (sic), por fazer uso exclusivo de condições lógicas de prova, independentemente de opiniões ou desejos. Contudo, se o leitor ainda assim não estiver de acordo, que consulte o segundo capítulo da CRP, a Analítica Transcendental, que ele considera a parte principal e insofismável de sua demonstração da consistência de nosso pensar.

7) Ela comporta, não só uma clareza discursiva, lógica, por conceitos, mas também uma clareza intuitiva, estética, por intuições, obtida através de exemplos ou outros esclarecimentos in concreto. Para tanto, Kant pretendia editar uma Metafísica da natureza, mais simples e rica em conteúdo do que a presente Crítica.

8) No prefácio à segunda edição da Crítica da Razão Pura (1787), Kant nos assegura que a lógica, já fixada desde tempos mais antigos, não é mais do que uma propedêutica das ciências, se levarmos em conta suas dificuldades quando se volta para a concretude dos objetos. Acrescentar-lhe Psicologia, Metafísica ou Antropologia, como fazem alguns modernos, não muda a sua estrutura.

9) Assim, foi dessa forma que as ciências matemáticas, a física e as ciências da natureza conseguiram novos progressos, o que não aconteceu com a metafísica, que permanece presa apenas às suas tautologias (juízos analíticos). Contudo, em todas elas se constata que o a priori de seus conceitos são construções apenas formais de nosso entendimento, não atingindo a realidade concreta dos objetos.

10) Kant está convencido de que a única forma de salvar a metafísica será por meio da crítica, eliminando de uma só vez o materialismo, o fatalismo, o ateísmo, a descrença do livre-pensamento, o fanatismo e a superstição. Assim, a crítica não se opõe ao procedimento dogmático exercido pela lógica, mas sim ao dogmatismo ou a ideologia do conhecimento certo.

11) No capítulo terceiro “que significa orientar-se no pensamento?“, Kant ressalta a importância da imaginação como aquela atividade criativa provinda da razão que, atuando de forma heurística, pode nos ser muito útil, mesmo no caso do pensamento abstrato. Ora, isto ressalta a importância de nossos sentidos subjetivos, que nos orientam nos processos de compreensão da realidade.

12) Kant ainda distingue a razão em seu uso teórico e em seu uso prático. No uso teórico, temos que admitir a existência de Deus como o Necessário que explica a existência do Contingente e a ordem das finalidades. Já no uso prático, a razão procura atingir o supremo bem possível no mundo (a felicidade) e a ordem da moralidade como dependente de suas relações com a liberdade.

13) A confiança de Kant na capacidade da razão de dar explicação de tudo é a condição primeira da Crítica, mesmo no que se refere ao conceito de Deus, que não nos é acessível por nenhum outro meio (intuição, fé, crença, etc). Para tanto, necessário se faz realçar as condições de nossa liberdade de pensar, que se encontra acima de qualquer tipo de censura, pública ou particular, pois sua única lei é a que a razão dá a si própria!

14) Na resposta à pergunta: Que é “Esclarecimento”? (Aufklãrung), Kant nos diz que “é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado” Sapere aude! (ouse saber!), eis o lema do esclarecimento. Doador de autonomia, o esclarecimento tem como inimigos principais a preguiça e a covardia. Seu requisito básico é o exercício da liberdade, sem a qual não atingiremos uma fase esclarecida.

15) “Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade“, levantado por Benjamin Constant na Obra A França de 1797, na qual o autor conclui que “dizer a verdade é um dever, mas somente com relação àqueles que têm direito à verdade. Nenhum homem, porém, tem direito à verdade que prejudica os outros”, Kant argumenta que a expressão ter “direito à verdade” é desprovida de sentido, e seria melhor substituí-la por “todo homem tem direito à sua própria veracidade” ou verdade em sentido subjetivo. Dessa forma, toda pessoa que mente deve arrostar para si as conseqüências boas ou más que seu ato possa provocar, seja moral ou juridicamente.

16) Sobre a discordância entre a moral e a política a propósito da paz perpétua, Kant transcreve que “a política diz: sede astutos como as serpentes; a moral acrescenta (como condição limitante): e sem maldade, como as pombas“, o que demonstra uma clara oposição entre política e moral (que não existe no aspecto teórico, mas apenas no sentido subjetivo). A solução estaria na diferença entre o político moral e o moralista político; o primeiro é fácil de conceber, pois preocupado em implantar a moralidade dentro da política; quanto ao segundo, ao se apegar muito à moral, arrisca perder suas oportunidades de estadista. Para o primeiro, trata-se, pois, de um problema de arte; para o segundo, a prudência guiada pelo princípio da justiça há de indicar a conveniência das melhores ações. É por isto que toda política deve dobrar seus joelhos diante do direito.

17) No opúsculo O fim de todas as coisas, Kant nos adverte que a expressão “passagem do tempo para a eternidade”, não significa que alguém passe desta vida para a duração de um tempo eterno, pois não haverá mais ‘tempo’ no sentido de ‘transcurso’.

18) O fim dos tempos está também associado à idéia de Juízo Final, ou acerto de contas de todos os nossos atos praticados. A respeito, os teóricos se dividem em duas categorias, os unitários, segundo os quais todos se salvarão; e os dualistas, segundo os quais nem todos se salvarão. A aniquilação total de tudo não se coloca, de vez que ela significaria uma sabedoria falha no ato mesmo de tudo que criou.

19) Dessa forma, podemos encontrar três hipóteses para o fim de todas as coisas: 1) um fim natural, segundo a ordem das finalidades morais de nossos atos; 2) um fim místico, de transformação repentina, sobre o qual nada podemos supor; 3) um fim anti-natural, invertido, de todas as coisas, pela vitória do princípio do mal.

20) Segundo LAO-TSÉ, o fim de tudo é o nada ou a absorção de nosso ser no abismo da divindade. Daí derivam o panteísmo e o spinozismo, baseados numa idéia de emanação ou criação eterna de um universo que é o próprio Deus. O cristianismo, ao enfatizar Deus como Pai, é a resposta mais convincente para o aperfeiçoamento de nossas qualidades morais, ensinando-nos a confiar numa Providência, sem descurar de nossa responsabilidade com o destino final de nosso futuro, o que se coloca como uma exigência de razão prática, liberal.

RENÉ DESCARTES – O Discurso do Método

1) Primeira Parte: A Dúvida Metódica

– O bom senso é coisa bem partilhada entre os homens.

– Nossos erros não provêm de diferenças racionais, mas sim pela forma com que conduzimos nossa razão, “pois não é suficiente ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem”.

– Descartes se considera feliz por ter encontrado um método autêntico de descoberta da verdade.

– Contudo, não se dá por satisfeito, pois pode estar sendo enganado.

– Apesar de ter aprendido todo o conhecimento disponível em sua época, Descartes acha muito proveitoso o ato de viajar, que enriquece sobremaneira os nossos conhecimentos. Ele também aprecia muito a retórica e a poesia.

– Mas a sua maior admiração é pela matemática, pela certeza e evidência de suas demonstrações.

– Ele também reverencia a Teologia, e considera a fé uma graça de Deus, concedida por igual a sábios e ignorantes.

– Quanto à filosofia, a considera nobre mas eivada de controvérsias, o que não lhe assegura uma evidência mais segura.

– Quando jovem, desde cedo demonstra interesse em viajar, conhecer novos costumes, sempre avaliando tudo sob o prisma de sua consistência e de sua utilidade.

2) Segunda Parte: A descoberta do método

– Estando em visita à Alemanha, ficou isolado numa sala de Quartel, quando então intuiu os quatro preceitos fundamentais do método:

1º) Jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.

2º) Dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quanto possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê-las.

3º) Conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.

4º) Fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir.

– O método deve tomar corpo a partir do reconhecimento da concatenação dos conhecimentos, sendo o anterior condição da verdade do posterior.

– São as ciências matemáticas que nos asseguram as demonstrações mais evidentes e é por elas que devemos começar.

– A concepção generalizada da correlação de todas as coisas se chama mathesis universalis ou perspectiva do mecanismo universal que move todas as coisas.

– Não obstante, será necessário recorrer aos diversos princípios da filosofia, para poder discorrer sobre ela (a mathesis). Descartes reconhece que não está preparado para isso, por ser muito jovem (23 anos).

3) Terceira Parte: A moral provisória

Essencial para a continuidade da vida, enquanto se põe em dúvida provisória a verdade da ciência:

– Obedecer às leis e aos costumes de meu país, retendo constantemente a religião em que Deus me concedeu a graça de ser instruído desde a infância, e governando-me, em tudo o mais, segundo as opiniões mais moderadas seguidas por aqueles próximos ao meu convívio.

– Não agir quando sentir que há dúvidas quanto aos resultados que obterei com os meus atos e se essa seria a melhor opção.

– Procurar sempre antes vencer a mim próprio do que os estímulos, modificando-os em meu benefício, mesmo que, no final, me sinta incapaz de alterá-los.

– Por fim, deliberei passar em revista as diversas ocupações que os homens exercem nesta vida, para escolher a melhor.

4) Quarta Parte: A obtenção da Verdade

– Face à dúvida geral, só uma certeza que é primeira diante de todas as demais: eu penso, logo existo (cogito, ergo sum).

– A constância do meu eu face a mutabilidade de tudo levou Descartes a considerar a alma como separada inteiramente do corpo (dualismo).

– Assim, tudo que concebemos mui clara e distintamente é verdadeiro, havendo apenas alguma dificuldade em notar bem quis são as que concebemos distintamente.

– Da análise da perfeição imperfeita que existe em tudo, Descartes pôde concluir pela suposição da existência de um SER PERFEITO, Causa de Si Mesmo, Deus, como condição do menos que só pode ter origem num mais.

– É a elevação da mente acima dos sentidos que permite chegar a esta conclusão, por ser puramente racional.

– Deus é a garantia de não há um gênio maligno a nos enganar, como se tudo fosse um sonho.