Espírito imanente, espírito transcendente

O Espírito está no mundo sem ser do mundo.Só assim torna-se compreensível porque há tanta desproporção e tanta semelhança entre o mundo da matéria e o mundo do espírito. Desproporção, porque enquanto a matéria promove diferenças e conflitos, o espírito anseia por identidades; e semelhanças, pois a matéria é inconcebível sem o mundo do espírito (conhecimento): dessa forma, o mundo é a cifra de nossa espiritualidade.

Foi assim que se tornou comum entre os filósofos gregos a idéia de uma “alma do mundo” (Timeu, de Platão). Era a forma que eles encontraram para expressar que o Universo é algo vivo e consciente, dotado de dinamismo e orientação, surgente desde as suas mais ínfimas manifestações.

Não obstante, este reconhecimento de um possível espírito imanente à matéria não deixa de representar um certo antropomorfismo, ou a tendência de explicar a realidade através de categorias mentais humanas, pois, consciente de si mesmo através do ser humano, o espírito se nos apresenta como racionalidade, criatividade, sentimento e liberdade, paradigmas que, mesmo não o querendo, acabamos por transferir a toda a realidade (Kant).

Ora, isto faz surgir um aparente desacordo entre as dimensões cosmológicas e aquelas humanas, um conflito de proporções entre tempo universal e humano, entre o espaço infinito e aquele limitado de nossas possibilidades físicas, a incompreensão da dissolução e transformação (cíclica?) de todas as coisas. É como se as categorias humanas fossem demasiado acanhadas para tentar compreender tamanhas disparidades.

De fato, isto poderia, de certa forma, explicar o aparente fracasso que tem afetado as chamadas teorias cosmológicas, impossibilitadas que estão, até agora, de construir uma teoria unificada das diversas forças que compõem o Universo (Cfr.GREENE,Brian.O Universo elegante.SP Cia das Letras,2001), nas quais a unidade do pensamento racional não consegue compreender a multiplicidade das diferentes forças que sustentam a criação do universo.

Não obstante, esta decepcionante desarmonia entre ser humano/universo não deve nos deixar acabrunhados, pois, ao lado de nossas aparentes fragilidades, foi-nos dada, ao mesmo tempo, a capacidade de reconhecê-las, mas, sobretudo, sublimá-las, ao considerarmos ambas, produto da transcendência de nosso espírito, algo que sai de si mesmo para tentar compreender o que aparentemente o ultrapassa.

Implícita a esta idéia da transcendência do espírito está aquela de uma abertura para a fé, conseqüência natural do reconhecimento de uma limitação, uma diferença de natureza que nos assusta e nos causa estranheza, só compensada por uma experiência extática que pode “sentir” interiormente uma possível unidade (Deus).

Descobrir que tudo tem um sentido, eis o maior desafio que se apresenta ao nosso espírito. Ora, isto é produto mais do que evidente de sua transcendência em face de um Universo que só pensa em nos aniquilar, como bem constatou Pascal em seus Pensamentos.

Dessa forma, da constatação da imanência do Espírito, torna-se possível, também, a ilação de uma transcendência do Espírito, fruto do descompasso, da desproporção que se verifica, ao compararmos as duas realidades.