A vida que se transfigura

Não é fácil entender em que consiste a vida. Alimentando-se de sua própria destruição, a sustentação da vida na Natureza se transforma com a contribuição da inteligência humana, atingindo o clímax de sua significação, como algo fundamental a ser preservado, ultrapassando, portanto, os limites de sua autofagia natural. Contudo, diante de suas indiferenças com as individualidades, a vida passa a ser melhor compreendida se a olharmos como um fenômeno abrangente e intrínseco à própria natureza do Universo, transcendendo seus limites pessoais, locais ou temporais.

Pois a vida, como nós a experimentamos, é esta manifestação que temos de senti-la compartilhada entre muitas espécies, um processo potencial de autoconsciência. Contudo, as carências biológicas da vida nos incitam a uma reflexão sobre tudo que significa estarmos vivos, acolhendo-a como algo inerente a completar o ímpeto criador do Espírito. Assim, nossa vida pessoal passa a ser pouco importante, uma presença aleatória em nós de algo que nos ultrapassa.

Por paradoxo, como declarou STEVE JOBS, o criador dos iPods, a morte é a maior invenção da vida. Não obstante, o que os cientistas têm verificado é que o Universo, desde as suas micropartículas, é um cosmos disperso, dotado de vida, movimento e dinâmica de ação, o que reflete sua natureza transformadora, antecipando suas potencialidades para criar vida biológica. Dessa forma, temos de ampliar o conceito de vida, que pode ser consciente ou inconsciente, virtual ou potencial, como ocorre no microcosmo, nas plantas e também conosco, seres humanos.

Assim, precisamos aprender a olhar todas as coisas como seres em processo contínuo de viver, por conterem em si as possibilidades de suas próprias transformações. Pois, segundo TEILHARD DE CHARDIN, a evolução do Universo se processa na procura de alcançar a noosfera, mundo do espírito, cujo ápice é a vida identificada com a consciência.

Porém, será só através de uma fé espiritualizada que poderemos compreender o verdadeiro sentido da vida, como na transfiguração de Cristo em companhia de Moisés e Elias, no monte Tabor (Mc 9, 2-10). Ora, esta passagem nos mostra que nossos antepassados estão vivos, mas com suas naturezas transformadas, como ocorreu com o próprio Cristo, no momento de Sua ressurreição.

Importa compreender, portanto, que nascer e morrer são apenas momentos de uma graça que nos escapa, e o fato de estarmos vivos é algo a ser considerado importante demais para ser desperdiçado. Dessa forma, valorizar a vida é fazê-la instrumento de nosso engrandecimento pessoal e colocá-la a serviço de nossos semelhantes. A vida, assim, passa a ser digna de merecer a imortalidade, pois esta sua manifestação temporária é apenas aparente, cabendo a nós ultrapassar a impressão das aparências, fonte de nossas confusões sobre o que realmente significa viver e morrer.

Isto é o que pensou PLATÃO, quando nos afirma que a essência de nossa vida são nossas ideias, espirituais, abstratas e eternas em suas formas. Assim, olhar a vida como superior a seu fim é transcendê-la em suas carências, imitando o propósito de Cristo quando afirmou: ‘Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância (Jo, 10,10).