FRIEDRICH NIETZSCHE – Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral

1) Fábula: a invenção do conhecimento ocorre em um astro perdido na imensidão do Universo. Não obstante, tal fenômeno dura pouco tempo no correr da evolução, demonstrando quão lamentável, quão fantasmagórico e fugaz , quão sem finalidade e gratuito fica o intelecto humano dentro da natureza. O ser humano é então tomado de orgulho, e o filósofo, como o mais orgulhoso dos homens, sente-se possuidor do infinito.

2) O intelecto, meio de afirmação dos fracos, é uma arte do disfarce, na qual o engano, o lisonjear, mentir e ludibriar, o falar-por trás-das-costas, o representar, o viver em glória de empréstimo, o mascarar-se, a convenção dissimulante, o jogo teatral diante de outros e diante de si mesmo, em suma, uma fonte de vaidade mascarada como verdade. No entanto, há valentes que despertam desses sonhos ilusórios e conscientes de estarem sobre o dorso de um tigre, vislumbram o verdadeiro impulso ao bom-senso.

3) Este indivíduo, pela necessidade de convivência, procura um estado de paz oposto à guerra de todos contra todos, o que representaria o primeiro passo para atingir a enigmática verdade. A contingência das coisas e a linguagem serão dois instrumentos valiosos para superar o engodo e a mentira, pois o importante é superar o comodismo e o interesse das pessoas em manterem as suas mentiras.

4) É a linguagem a expressão adequada de todas as realidades? O que é uma palavra? Não tenhamos ilusões, são puras convenções arbitrárias do que sentimos em nosso interior: um estímulo nervoso, primeiramente transposto em uma imagem! Por isso, elas permanecem longe da Verdade.

5) As palavras se transformam em conceitos, porém qualquer conceito nasce por igualação do não-igual, por seu caráter abstrato, genérico. Assim, o conceito de ‘honestidade’ se depreende de casos fortuitos de ação e não possui, por isso, nenhuma consistência ontológica, como coisa em si.

6) O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de percepções ilusórias, sem nenhuma utilidade, como moedas sem validade. Mas, como ainda continuamos a perseguir o que seja a verdade? Ela não seria apenas nossa teimosia em sustentar conveniências pessoais ou coletivas?

7) Chegou o momento em que é preciso distinguir o conhecimento racional (por conceitos), do conhecimento intuitivo (por percepção direta). Enquanto o primeiro resulta autoritário e dominador, o segundo se ilumina com a contemplação e o silêncio…

8) É assim que o conhecimento intuitivo se manifesta através do mito e da arte. Os povos antigos viviam encantados por ambos, o que supria com vantagem a sua ignorância das ciências racionais. Guiar-nos por intuições é o caminho para superarmos o domínio dos conceitos, o esforço para atingirmos a verdade em si mesma. Enquanto o homem guiado por conceitos e abstrações, através destes, apenas se defende da infelicidade (pelos paradoxos que eles criam), ‘o homem intuitivo, em meio a uma civilização, colhe desde logo, já de suas intuições, fora a defesa contra o mal, um constante e torrencial contentamento, entusiasmo, redenção’.