PLATÃO – A República

república (em grego politeia) é o diálogo mais célebre de Platão, o mais lido e o mais comentado ao longo da história. Platão queria resolver o problema de seu tempo. Como impedir que a cidade, que não vivia mais numa tradição por todos aceita e que submetia todas as disputas ao princípio da discussão, não naufragasse na anarquia dos interesses particulares e da dispersão? Como salvar a cidade da confusão em que estava imersa, chegando a ponto de condenar à morte aquele que tinha sido o farol da verdade nas discussões, ou seja, Sócrates?

República contém diversos temas filosóficos, sociais e políticos entrelaçados. A questão chave é a da justiça em seu sentido amplo, oportunidade que Platão aproveita para tecer comentários sobre a educação e o tema genérico do conhecimento das coisas. O livro I goza de uma certa independência, sendo que os demais (ao todo são X), se dispersam em temas variados: A formação das lideranças (os guardiões), nos livros II, III, IV e V. A formação dos governantes, classe especial dos guardiões, nos livros VI e VII. Uma vez compreendida a tarefa pública, Platão a compara com o que acontece nas cidades existentes (livro VIII). Diante do desafio de Trasímaco ao tratar das conveniências da tirania (livro IX), Platão termina (livro X), com a proposição de um mito (sobre a arte, o destino e a liberdade).

1. Em que consiste a justiça (livro I e começo do livro II)

Depois de algumas digressões sobre a velhice, Polêmarco sustenta que a justiça consiste em dar a cada um o que lhe é devido, em fazer o bem aos amigos e o mal aos inimigos. Mas, como considerar que alguém é nosso amigo? Poderia o homem justo fazer mal a alguém?

A argumentação apresentada por Trasímaco é radical: a justiça não é nada mais que reforçar o poder dos fortes contra os fracos. Não é isto que fazem os tiranos, com suas leis autoritárias?

A intervenção de Sócrates é sábia: governar é estar a serviço dos governados, como um médico curando os doentes. A justiça é superior à injustiça e é preferível sofrer a injustiça do que praticá-la. Onde se pratica a injustiça, aí está a desunião e a discórdia. Onde houver justiça, aí está a felicidade.

Gláucon e Adimanto contra-argumentam dizendo que todos os homens são gananciosos e querem mais do que seriam merecedores e que assim cumprem as leis por pura conveniência.

2. Os princípios da Justiça (livros II a V)

Diante das teses referidas, Sócrates é levado a argumentar que a justiça tem valor em si mesma, dependendo apenas das condições para o seu exercício. Daí que ela é mais fácil de ser encontrada na atividade pública (na cidade), do que nas pessoas. Só depois vamos transpô-las para a conduta individual.

Então, o primeiro princípio da justiça é a solidariedade social, ou as formas pelas quais a pessoa contribui para o bem estar coletivo, pois este é que tem a prioridade.

Assim sendo, fica ressaltado um segundo princípio, necessário para a manutenção da integridade social: o desprendimento, o dever consciente de pessoas realmente dispostas a prover o bem comum. Daí a necessidade de criar uma classe social distinta das atividades econômicas, a dos guardiões, futuros reis-filósofos que sustentarão a felicidade do Estado.

Para tanto, será necessária a distinção da sociedade em três classes, como são os distintos metais: ouro para os chefes dos guardiões, prata para os próprios guardiões (ou militares) e ferro para os produtores e artesãos. Os guardiões são mantidos pelo Estado e não têm direito à riqueza.

3. A distinção da justiça no indivíduo e no Estado

A principal finalidade da cidade é educar as pessoas e ela não precisa legislar sobre tudo. A cidade é sábia porque é governada por reis-filósofos; a cidade é corajosa, porque garantida por guardiões valentes. Há que haver temperança nas paixões e ela deve ser praticada tanto pelas pessoas como pelos governantes. A justiça consiste em cada um fazer o que deve: o sábio governar, o professor ensinar, o artesão produzir, etc.

A alma humana é composta de três partes: os desejos, a razão (nous) e os impulsos (thymos). Estes são dominantes, em certas ocasiões, superando as contenções racionais (a história de Leôncio e o desejo de ver os cadáveres). A justiça, portanto, consiste na harmonia entre estas três partes, o que a faz aproximar-se da moral.

4. Sócrates e suas três proposições revolucionárias (livro V)

1) Na classe dos guardiões, homens e mulheres são iguais, capazes de exercer as mesmas tarefas.

2) Eles não podem constituir família.

3) Não podem possuir bens; seu poder deriva de seu saber (os reis-filósofos).

5. A racionalidade da Justiça (livros VI e VII)

Cultivar a filosofia é subir numa escala de competência e dignidade, para que ela não seja desvirtuada. O fim da subida é atingir a idéia do Bem, que é superior a da justiça e de todas as outras, por ser o seu fundamento. Contudo, como definir o Bem? Por meio de metáforas, como aquela do sol que nos dá luz e calor.

alegoria da caverna, no começo do livro VII nos fornece a ilustração de como podemos atingir a verdade em nosso conhecimento e em nossas ações: imaginemo-nos presos a uma caverna, de costas para a sua abertura. Nessa condição, só podemos perceber o movimento das sombras do que está acontecendo lá fora. De repente, um de nós livra-se das correntes e sai para o mundo exterior, onde encontra vida, cor, luz e calor. Ao retornar, relata aos prisioneiros o que viu. Inconformados, estes ameaçam matá-lo. Sem outra condição, o liberto cria fantasias e mitos para justificar as aparências, procurando assim poupar a sua vida.

6. A decadência da Cidade (livros VIII e IX)

A cidade ideal degrada-se naturalmente, como tudo o mais. Com o esfriamento das virtudes dos timocratas, com a concentração do poder nas oligarquias, com o individualismo das democracias, o resultado fatal só poderá ser o surgimento da tirania. Esta é a ordem natural da decadência dos regimes políticos, destruídos pelas suas próprias negatividades.

7. Arte, Moral e Filosofia (livro X)

O real possui graus diferenciados de apreciação, cabendo aos artistas, em suas diferentes habilidades, representá-lo. Cada um fica submisso à sua técnica, como se não tivesse escolha para expressar-se diferentemente. Daí a força inelutável do gênio de cada um. Isto afeta igualmente a moral e a filosofia.