MAURICE MERLEAU-PONTY – Einstein e a Crise da Razão

Maurice MERLEAU-PONTY, pensador francês falecido em 1961, em um resumo sobre Einstein e seus dilemas intelectuais como cientista, nos brinda com uma bela digressão filosófica sobre a crise da razão clássica, como sempre fora entendida pela grande maioria dos pensadores, desde os gregos. As ideias principais estão assim formuladas:

Às pretensões de hegemonia da razão para resolver os problemas do mundo, ao tempo e modo de Augusto Comte (sec XIX), sucedeu-se um momento de crise da razão científica, com o aparecimento da teoria da relatividade de Einstein (sec XX), que subverteu as formas tradicionais de considerar muitos fenômenos, como aqueles relativos ao tempo e ao espaço.

Contudo, Einstein parece manter ainda sua confiança na ciência clássica, ao afirmar: “Acredito num mundo em si, mundo regido por leis que tento apreender de uma maneira selvagemente especulativa”. Porém, Einstein reluta em aceitar uma harmonia preestabelecida, à maneira cartesiana, ou mesmo uma visão idealista à moda platônica, preferindo mais referir-se a um Deus como o de Spinoza, onde há mistério e religiosidade cósmica:“a coisa menos compreensível do mundo, dizia ele, é que o mundo seja compreensível”.

Einstein assim coloca a física clássica em seu limite crítico, relutando em aceitar os argumentos da física ondulatória, que joga com um mundo apenas de probabilidades: “Todavia, acrescentava ele, não posso invocar nenhum argumento lógico para defender minhas convicções, a não ser meu dedinho, única e fraca testemunha de uma opinião profundamente arraigada na minha pele”.Seu dedinho era o sinal patético de sua indecisão entre o fracasso da ciência clássica e o mistério de suas especulações sobre um Deus ‘sofisticado ou refinado’.

Eis que então a notoriedade de Einstein dá o que falar. Sua glória é como um cumprir a vontade dos deuses, o momento de uma crise da razão que transforma os sábios em taumaturgos.

Contudo, o fato principal a reconhecer é esta capacidade humana de falar e calcular, criando algoritmos e linguagens, num processo simbólico que não perde os vínculos com a realidade experimental. Não obstante ainda não possuímos uma teoria rigorosa do simbolismo. Depois disso, tudo passa a ser magia e ocultismo.

Em discussão com Einstein sobre o problema dos tempos múltiplos, aqueles referidos a diferentes observadores, Bergson propõe a distinção entre verdades físicas e verdades naturais, enfatizando a realidade sui generis de seu tempo duração. Pois esta intuição original é o pressuposto nas próprias teorias físicas! Portanto, há sempre que distinguir entre o mundo imediato de nossas percepções e o mundo sofisticado das fórmulas matemáticas.

Que iria responder Einstein? Que o tempo do filósofo não é diferente daquele pesquisado pelo físico, porém, mesmo que haja uma noção intuitiva do simultâneo, só à ciência compete constatar sua percepção relativa, quando referido a grandes distâncias. Não obstante, convém assinalar que esta percepção relativa do tempo, quando ensina que meu presente é simultâneo ao futuro de um outro observador bastante afastado de mim, arruína o próprio sentido do futuro…

Ora, na medida em que Einstein sustenta a validade da expressão matemática como dirigida ao real, fica preso a um paradoxo que ele nunca desejou, mas não soube como superar. Por isso, o vigor da razão está ligado ao renascimento de um sentido filosófico que, certamente, justifica a expressão científica do mundo, porém em sua ordem, em seu devido lugar no todo do mundo humano, conclui Merleau-Ponty.