IMMANUEL KANT – Textos Seletos

1) Trata-se da coletânea de 7 textos retirados da edição alemã de Wilhelm Weischedel: Immanuel Kant, Werke in sechs Bänden, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darmstadt, 1956-1964, com tradução do original alemão por Raimundo Vier (os prefácios da Crítica da Razão Pura) e os demais tradução de Floriano de Souza Fernandes, com a introdução geral a cargo de Emmanuel Carneiro Leão.

2) Com o título Ideologia, filosofia e pensamento, o Autor da Introdução nos relata a dependência de toda ciência a uma linguagem (semântica), que acaba por impregnar qualquer tipo de conhecimento, seja ele científico, filosófico, estético ou religioso, mitológico ou crítico. Dessa forma a epistemologia se mascara em ideologia, transformando a natureza de qualquer ciência ou conhecimento.

3) Tendo em vista o esclarecimento dessas questões, os Textos Seletos ora apresentados resumem a contribuição de Kant, que escreveu os prefácios da Crítica da Razão Pura, de 1781 e de 1787 e alguns opúsculos menos conhecidos:Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade, O fim de todas as coisas, resposta à pergunta: que é Esclarecimento?, Que significa orientar-se no pensamento? E, Sobre a discordância entre a moral e a política a propósito da paz perpétua.

4) O que Kant nos oferece é a conceituação da chamada filosofia transcendental, que ele define: “Chamo transcendental todo conhecimento que se ocupa não tanto com os objetos, mas com nossa maneira de conhecer os objetos, enquanto um tal conhecimento tenha de ser possível a priori“. Ao que poderíamos resumir: como é possível a objetividade enquanto apreendida pelos sentidos e pelas categorias do entendimento, mesmo se transformando numa semântica de conhecimento? Vê-se que a filosofia de Kant se afasta dos objetos para questionar as próprias possibilidades de sua postulação, num esforço de consistência metafísica.

5) Para tanto Kant nos diz, no prefácio à primeira edição da Crítica da Razão Pura (1781), que a razão humana, desde o início de sua postulação, vê-se envolvida em paradoxos insolúveis, por não poder dar conta dos princípios que ela mesma estabelece, na tentativa vã de explicar a realidade última de tudo. E assim fomos conduzidos ao dogmatismo, ao ceticismo e ao indiferentismo.

6) Ora, para superar tudo isso, Kant nos diz ter escolhido o caminho da crítica da razão pura, isto é, o conhecimento que ela possa atingir, por si mesma, independentemente de toda experiência, uma pura metafísica, que ele acha poder ter alcançado (sic), por fazer uso exclusivo de condições lógicas de prova, independentemente de opiniões ou desejos. Contudo, se o leitor ainda assim não estiver de acordo, que consulte o segundo capítulo da CRP, a Analítica Transcendental, que ele considera a parte principal e insofismável de sua demonstração da consistência de nosso pensar.

7) Ela comporta, não só uma clareza discursiva, lógica, por conceitos, mas também uma clareza intuitiva, estética, por intuições, obtida através de exemplos ou outros esclarecimentos in concreto. Para tanto, Kant pretendia editar uma Metafísica da natureza, mais simples e rica em conteúdo do que a presente Crítica.

8) No prefácio à segunda edição da Crítica da Razão Pura (1787), Kant nos assegura que a lógica, já fixada desde tempos mais antigos, não é mais do que uma propedêutica das ciências, se levarmos em conta suas dificuldades quando se volta para a concretude dos objetos. Acrescentar-lhe Psicologia, Metafísica ou Antropologia, como fazem alguns modernos, não muda a sua estrutura.

9) Assim, foi dessa forma que as ciências matemáticas, a física e as ciências da natureza conseguiram novos progressos, o que não aconteceu com a metafísica, que permanece presa apenas às suas tautologias (juízos analíticos). Contudo, em todas elas se constata que o a priori de seus conceitos são construções apenas formais de nosso entendimento, não atingindo a realidade concreta dos objetos.

10) Kant está convencido de que a única forma de salvar a metafísica será por meio da crítica, eliminando de uma só vez o materialismo, o fatalismo, o ateísmo, a descrença do livre-pensamento, o fanatismo e a superstição. Assim, a crítica não se opõe ao procedimento dogmático exercido pela lógica, mas sim ao dogmatismo ou a ideologia do conhecimento certo.

11) No capítulo terceiro “que significa orientar-se no pensamento?“, Kant ressalta a importância da imaginação como aquela atividade criativa provinda da razão que, atuando de forma heurística, pode nos ser muito útil, mesmo no caso do pensamento abstrato. Ora, isto ressalta a importância de nossos sentidos subjetivos, que nos orientam nos processos de compreensão da realidade.

12) Kant ainda distingue a razão em seu uso teórico e em seu uso prático. No uso teórico, temos que admitir a existência de Deus como o Necessário que explica a existência do Contingente e a ordem das finalidades. Já no uso prático, a razão procura atingir o supremo bem possível no mundo (a felicidade) e a ordem da moralidade como dependente de suas relações com a liberdade.

13) A confiança de Kant na capacidade da razão de dar explicação de tudo é a condição primeira da Crítica, mesmo no que se refere ao conceito de Deus, que não nos é acessível por nenhum outro meio (intuição, fé, crença, etc). Para tanto, necessário se faz realçar as condições de nossa liberdade de pensar, que se encontra acima de qualquer tipo de censura, pública ou particular, pois sua única lei é a que a razão dá a si própria!

14) Na resposta à pergunta: Que é “Esclarecimento”? (Aufklãrung), Kant nos diz que “é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado” Sapere aude! (ouse saber!), eis o lema do esclarecimento. Doador de autonomia, o esclarecimento tem como inimigos principais a preguiça e a covardia. Seu requisito básico é o exercício da liberdade, sem a qual não atingiremos uma fase esclarecida.

15) “Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade“, levantado por Benjamin Constant na Obra A França de 1797, na qual o autor conclui que “dizer a verdade é um dever, mas somente com relação àqueles que têm direito à verdade. Nenhum homem, porém, tem direito à verdade que prejudica os outros”, Kant argumenta que a expressão ter “direito à verdade” é desprovida de sentido, e seria melhor substituí-la por “todo homem tem direito à sua própria veracidade” ou verdade em sentido subjetivo. Dessa forma, toda pessoa que mente deve arrostar para si as conseqüências boas ou más que seu ato possa provocar, seja moral ou juridicamente.

16) Sobre a discordância entre a moral e a política a propósito da paz perpétua, Kant transcreve que “a política diz: sede astutos como as serpentes; a moral acrescenta (como condição limitante): e sem maldade, como as pombas“, o que demonstra uma clara oposição entre política e moral (que não existe no aspecto teórico, mas apenas no sentido subjetivo). A solução estaria na diferença entre o político moral e o moralista político; o primeiro é fácil de conceber, pois preocupado em implantar a moralidade dentro da política; quanto ao segundo, ao se apegar muito à moral, arrisca perder suas oportunidades de estadista. Para o primeiro, trata-se, pois, de um problema de arte; para o segundo, a prudência guiada pelo princípio da justiça há de indicar a conveniência das melhores ações. É por isto que toda política deve dobrar seus joelhos diante do direito.

17) No opúsculo O fim de todas as coisas, Kant nos adverte que a expressão “passagem do tempo para a eternidade”, não significa que alguém passe desta vida para a duração de um tempo eterno, pois não haverá mais ‘tempo’ no sentido de ‘transcurso’.

18) O fim dos tempos está também associado à idéia de Juízo Final, ou acerto de contas de todos os nossos atos praticados. A respeito, os teóricos se dividem em duas categorias, os unitários, segundo os quais todos se salvarão; e os dualistas, segundo os quais nem todos se salvarão. A aniquilação total de tudo não se coloca, de vez que ela significaria uma sabedoria falha no ato mesmo de tudo que criou.

19) Dessa forma, podemos encontrar três hipóteses para o fim de todas as coisas: 1) um fim natural, segundo a ordem das finalidades morais de nossos atos; 2) um fim místico, de transformação repentina, sobre o qual nada podemos supor; 3) um fim anti-natural, invertido, de todas as coisas, pela vitória do princípio do mal.

20) Segundo LAO-TSÉ, o fim de tudo é o nada ou a absorção de nosso ser no abismo da divindade. Daí derivam o panteísmo e o spinozismo, baseados numa idéia de emanação ou criação eterna de um universo que é o próprio Deus. O cristianismo, ao enfatizar Deus como Pai, é a resposta mais convincente para o aperfeiçoamento de nossas qualidades morais, ensinando-nos a confiar numa Providência, sem descurar de nossa responsabilidade com o destino final de nosso futuro, o que se coloca como uma exigência de razão prática, liberal.