DAVID HUME – Da Liberdade e Necessidade

Seção VIII da Obra “Investigação Acerca do Entendimento Humano”.

O Autor começa o texto considerando que, historicamente, não tem havido um acordo prévio sobre os sentidos dos termos empregados em qualquer questão, o que tem impedido alcançar-se os resultados coerentes. Daí as desavenças nas doutrinas. Mesmo supondo que as faculdades espirituais de todos os homens sejam semelhantes, ainda assim eles se envolvem em questões que estão acima de suas condições normais de entendimento, como saber sobre a origem do mundo, a organização do sistema intelectual ou o reino do espírito.

Isto é o que tem ocorrido, por exemplo, com a discussão sobre a liberdade e a necessidade, sempre envolvida num labirinto de opiniões, que acabam por desestimular o interesse por elas, mas, mesmo assim, o Autor se dispõe a contribuir para esclarecê-las. Para tanto, temos de começar com a verificação empírica de que, na Natureza, as leis físicas são estáveis e rigorosas, o que nos leva a conceber que elas sejam necessárias, isto é, imutáveis em suas relações de causa e efeito. Contudo, seria bom se entendêssemos estas relações como simples conjunções e inferências, resultantes da interação espontânea dos fenômenos, abandonando, portanto, a noção clássica mantida até agora.

Daí o Filósofo passa a considerar diversos exemplos sobre a uniformidade e a constância da espécie humana e como as diferentes épocas não parecem alterar a semelhança dos comportamentos, individuais ou coletivos. Dessa forma, se um viajante, retornando de um lugar, nos passasse a relatar ter encontrado seres humanos pacíficos e honestos, praticando todas as boas virtudes, imediatamente deveríamos tirar-lhe todo o crédito, pelas falácias de sua descrição. Assim, praticando um ceticismo crítico, seria bom reconhecer os benefícios daqueles que, através de suas longas vidas, são valiosos para nos dispensar a sabedoria necessária na condução da vida. Devemos aprender o valor do costume e da educação como importantes na fundamentação da sabedoria individual e coletiva.

As aptidões individuais não são as mesmas, e cada um deve analisar como possa se sair melhor em suas ações. Assim, observando a multiplicidade de fatores que podem causar um fenômeno, os filósofos ressaltam que é necessário estabelecer uma conexão entre todas as causas e efeitos, superando assim as incertezas que decorrem daquele desconhecimento. O mesmo ocorre no caso das ações e volições dos seres inteligentes, que respondem com firmeza às condições impostas pela situação em que se encontrem, o que demonstra o caráter constante e similar da natureza humana.

Pode-se igualmente constatar a mútua influência entre os homens, de tal forma que nenhuma ação goza de autonomia exclusiva, sendo sempre produto das influências recíprocas que todos exercem sobre os demais. É isto que torna legítima a história, uma ação politica, ou os fundamentos da moral. Ora, apesar das vicissitudes em fundamentá-las racionalmente, é o que garante suas inferências como válidas. Contudo, ao transformá-las em palavras, a tendência geral é professar as opiniões contrárias.

Certamente, quando começamos a examinar as questões relativas à liberdade e à necessidade, importa, em vez de começar examinando as faculdades da alma, o entendimento ou as operações da vontade, iniciar pelo mais simples, ou seja, as ações do corpo e da matéria bruta, em suas ações de inferência e conjunção, sem apelar a condicionamentos metafísicos. Por isso, a opinião comum, na maioria das vezes, concorda em que a liberdade é um poder de agir segundo as determinações da vontade. E esta não se realiza no vácuo, mas é o resultado de causas circunstanciais que nos conduzem a imaginar relações de causa e efeito.

SEGUNDA PARTE

Na segunda parte, o Filósofo passa a precisar, com mais detalhes, as objeções comumente levantadas a respeito dos conceitos de causa , necessidade e liberdade, sem temer implicações prejudiciais às crenças relacionadas à moral e à religião.

Inicialmente, a necessidade pode definir-se de duas maneiras, de acordo com as duas definições de causa, como conjunção e inferência de condições, comumente consideradas dependentes da vontade. Ora, o uso regular da vontade nos conduz a fazer o bem e evitar o mal, segundo os princípios das recompensas e dos castigos.

No que diz respeito à liberdade, todos concordam que ela é essencial à moralidade, sem o que seria impossível atribuir responsabilidade pelos atos praticados. Contudo, a crença num Criador, onisciente e sapiente, pode nos conduzir que Ele elimina a liberdade, por ser o responsável por toda a criação. Contudo, não podemos conceber um encadeamento necessário entre as ações de Deus e a dos homens, considerando-se ainda a presença do mal, físico ou moral, que devem ser entendidos como um mistério, do qual os homens não têm a capacidade de desvendá-los.