ARISTÓTELES – Ética a Nicômaco, Livro II

1) A virtude se diz intelectual e moral. A primeira se desenvolve através do ensino, exigindo longo percurso; já a virtude moral depende do hábito (ethos), conforme a etimologia da própria palavra.

Ressalta-se que as virtudes intelectuais ou morais não são produto da Natureza, cujas leis são determinísticas. Ora, nós somos produtos da Natureza, o que implica considerarmos que somos adaptados pela Natureza a desenvolvê-las.

As virtudes não são como os sentidos, que possuímos antes de usá-los, pois só as adquirimos pelo uso reiterado das práticas virtuosas, que nos tornam melhores.

2) Trata-se aqui de estabelecer a prática das virtudes dentro do princípio de uma regra justa, pois, quando se trata de condutas, a obtenção do bem a partir de suas práticas, não possui nenhuma fixidez. Tudo se torna apenas aproximado. demandando prudência e moderação para que não venhamos a praticar excessos. Pois, tanto a deficiência como o excesso de zelo, destroem a força da sua eficácia. Assim, nossa saúde depende apenas de uma quantidade e variedade adequada de alimentos, o mesmo ocorrendo com a temperança, a coragem e outras virtudes que, se não bem controladas, não fortalecem a desenvoltura progressiva de nossas condutas.

3) Importa ter em mente que nossa excelência moral está em relação direta com os prazeres e dores que sentimos (Heráclito). Pois se o prazer nos causa alegria, nossa tendência será procurá-lo, evitando o mal que ele possa nos causar. Como disse Platão, aqui é o lugar de uma boa educação, que ensine os limites virtuosos de nossas sensações.

4) A virtude depende essencialmente da prática costumeira. Não basta conhecer as virtudes pela filosofia, pois não de trata de saber, mas sim de agir.

5) Em nossa alma há três espécies de coisas: faculdades, paixões e disposições de caráter. A virtude deve pertencer a uma destas.

A virtude não está entre as faculdades, pois estas são apenas disposições para sentir as paixões; também não está nas paixões, que são apenas reações segundo o nosso caráter; as virtudes estão, portanto, em nossas disposições de caráter, como qualidades de nosso eu para concretizá-las.

6) As disposições de caráter dependem não só de nossas aptidões biológicas, como também da forma com que as utilizamos.

Essas disposições de caráter não se situam nos excessos, mas sim no meio-termo que os contrabalança. É uma sabedoria prática, que foge do vício e dos extremos. Porém, o meio-termo deverá estar sempre voltado para o bem, não para o mal.

7) Ressalte-se que a virtude é sempre uma prática individual, não genérica. Por isso, ela é bem concreta, quando se refere à conduta de cada um. Assim:

  • entre o medo e a confiança, a coragem é o meio-termo
  • entre a audácia e a covardia, a cautela
  • entre o prazer e a dor, a temperança
  • entre a prodigalidade e a avareza, a liberalidade
  • entre a honra e a vergonha, o justo orgulho
  • entre a cólera e a apatia, a calma
  • entre o verdadeiro e o falso, a verossimilhança
  • entre o aprazível e o detestável, a espirituosidade
  • entre a inveja e o despeito, a justa indignação

8) As disposições de nossas virtudes muitas vezes jogam um jogo duplo em relação aos seus excessos, ora mais próximos, ora mais distantes de suas afinidades. Com efeito, o bravo parece atrevido aos olhos do covarde e aquele, por sua vez, olha o covarde como carente de valentia; assim também, o liberal parece pródigo em relação ao avaro e avaro em relação ao pródigo. Por isso, as pessoas que estão nos extremos, tendem a exagerar o meio-termo.

9) Em conclusão, a virtude moral é um meio-termo, obtido pela negação de excesso. Assim, difícil se torna sermos bons, pelo fato de ser difícil encontrarmos o meio-termo. Na dúvida, sempre preferir o mal menor e o prazer e a dor podem ser bons indicadores desse meio-termo virtuoso.