O Direito em Perspectiva Semiótica

Introdução – Thomas Khun e a Função do Dogma na Investigação Científica

Objetivo : Trata-se de abordagem inovadora sobre as relações existentes entre os pressupostos dogmáticos encontrados entre as diversas teorias dos pesquisadores e suas revoluções científicas, apesar de que haveria uma opinião corriqueira de que dogma e pesquisa científica não se misturam.

Noção de Dogma : do grego dokein, tem o significado de constituir qualquer pressuposto que se aceita sem discussão, como nas crenças religiosas, nos atos de fé, pela aceitação por mera via de autoridade, sem questioná-los. Ex: o dogma da Santíssima Trindade.

A Estrutura das Revoluções Científicas : é o livro clássico do Autor, no qual ele pretendeu demonstrar que o surgimento das teorias inovadoras presentes na história das ciências, como a revolução de Copérnico, de Newton, de Einstein ou da teoria quântica, representam uma ruptura diante do pensamento tradicional, e só se tornaram possíveis quando houve uma alteração nos paradigmas que sustentavam as velhas teorias

A Herança Cultural : Como criador de uma perspectiva histórico-filosófica da ciência, Thomas Kuhn procurou desenvolver uma síntese das ideias epistemológicas que circulavam entre diversos autores de seu tempo, como Alexandre Koiré, Jean Piaget, Williard Quine, que muito contribuíram na análise crítica da validade do conhecimento científico.

Noção de Paradigma : aparece em substituição ao conceito clássico de objeto da ciência, resumido em objeto material e formal, para se constituir como modelo, padrão, perspectiva, no acolhimento de novos pressupostos para explicar uma sucessão de fenômenos.

Fases das Transformações Paradigmáticas : segundo o que propõe nosso Autor, a caracterização paradigmática do pensamento científico passa pelas seguintes fases:  -a) conhecimento pré-paradigmático (disperso, confuso); -b) a ciência normal, sistematizada em determinado momento; – c) crise provocada pelo surgimento de novos aspectos; -d) inovação extraordinária, que conduz à revolução científica; e) posteriormente ocorre a repetição do ciclo.

Importância dos Pressupostos Dogmáticos : Nos estágios iniciais, qualquer formulação teórica sobre determinado grupo de fenômenos sofre a interferência de alguns princípios inovadores, aceitos sem muita discordância e que vão constituir as bases possíveis para as revoluções científicas. São os chamados puzzles (enigmas). Ex: a evolução da física clássica newtoniana para a física relativista de Einstein.

A Disseminação dos Dogmas na Comunidade Científica : resolvendo os problemas surgentes em função das novas pesquisas, os novos paradigmas vão sendo paulatinamente acolhidos pela comunidade científica, assegurando um relativo consenso, o que solidifica as novas ideias propostas. Através da educação, é assegurada a sua aceitação.

Quebra-Cabeças e Anomalias : são dois conceitos que enriquecem o pensamento do Autor, o primeiro sob a forma de aparentes contradições conceituais que os novos paradigmas terão o dever de superar; não obstante, estes quebra-cabeças poderão se transformar em anomalias, ou problemas que os novos paradigmas não conseguiram explicar.

As Crises no Conhecimento Científico : são, portanto, o resultado de anomalias não resolvidas, o que acaba por enfraquecer a coerência dos novos modelos de explicação, debilitando assim seus fundamentos (dogmas).

O Surgimento de uma Ciência Extraordinária : é o estágio caracterizado pelo dissenso imperante entre os cientistas, quando novas intuições paradigmáticas entram em disputa, com o objetivo de incluir os novos fatos observados. Contudo, um só paradigma deve prevalecer, aquele que consiga fornecer o maior número de respostas aos problemas surgentes.

Concluindo : as revoluções científicas não são verdadeiras nem falsas, mas apenas os estágios que ocorrem na evolução dos conhecimentos científicos, o que significa que há um campo infinito de perspectivas paradigmáticas, oscilando entre o dogmatismo e sua crítica, que não são necessariamente opostos, mas complementares.

I- CONCEITUAÇÃO GERAL DA SEMIÓTICA

A semiótica é a ciência que trata dos processos de comunicação dos significados.  Foram os gregos os primeiros a perceber a relação/diferença entre semeion (natureza) e symbolon (cultura), dando origem a duas linguagens : onomasiológica (de nome, objeto real) e semasiológica (de palavra, conceito abstrato).

Nosso espírito capta os sinais relacionais existentes na natureza reunindo significantes e significados (semiologia), assim como constrói relações simbólicas de comunicação significativa (semiótica), acrescentando características e aspectos, construtos apenas concebidos pelo nosso cérebro: é o mundo cultural das ilações significativas (semiose).

Em ambas, semiologia e semiótica, subjaz a realidade primária da linguagem, mental ou proferida, como fruto de nossa capacidade intelectual. Foi assim que Ferdinand de Saussure ( 1857-1913) desenvolveu uma semiologia relacionada à literatura, dentro de uma perspectiva diádica (significante/significado), ou seja, o que captar do sentido das palavras, constituindo uma semântica.

Já numa perspectiva ampla de simbolismo representativo, Charles Sanders Peirce (1838-1914) desenvolveu um sistema de representação triádica (signo-objeto-pessoa), de características pragmáticas, abrangendo todos os sinais expressivos, seja da realidade natural, seja da realidade humana, bem como das reações comportamentais consequentes: é o campo próprio da semiótica.

Vislumbrada pelos gregos (Platão, Aristóteles, os estóicos), a semiologia tem como seu principal fundador Sto. Agostinho, que foi o primeiro a conceber uma teoria geral dos signos, posteriormente desenvolvida por John Locke.

A semiologia tem suas origens remotas igualmente na descoberta dos sintomas  das doenças (medicina), bem como na capacidade inventiva de criar histórias, que desde nossa infância, encantam nossa imaginação. Daí o surgimento das mitologias e de nossas ilações performativas, ou seja, nossas reações.

Na variedade infinita de sentidos/significados que podem ser atribuídos a quaisquer fenômenos, a tarefa da semiologia/semiótica consiste justamente em tipificar ou sistematizar a sua análise, de forma a possibilitar a sua coerência (ou a sua lógica).

Ao sugerir que a captação do sentido das coisas pode ser obtida a partir da análise de qualquer fenômeno, natural ou cultural, Peirce transformou a semiótica em uma arquitetônica do espírito, que não quer ser nem idealista ou realista, mas que se encontra além de ambos: trata-se de um mundo peculiar de características virtuais, mas não irreais. Reduzindo as categorias do conhecimento a apenas três, denominou-as:

  • Qualidade: o azul (Primeiridade)
  • Relação: o azul do céu (Secundidade)
  • Representação: vejo o céu azul (Terceiridade)

Entre as três, a mais importante é a representação, geradora dos signos. É por ela que nosso espírito interpreta a realidade, captando a sua originalidade específica.

Finalmente, convém assinalar a importância da intersubjetividade na geração do processo semiótico, através da qual se estruturam e se consolidam as experiências sígnicas.

II- SEMIÓTICA DO CAMPO JURÍDICO

A semiótica do direito tem por finalidade descobrir a estrutura do fenômeno jurídico, através do uso de paradigmas indiciários que possam conduzir a inteligência à sua mais ampla compreensão.

Dessa forma, podemos verificar que o primeiro paradigma indiciário do fenômeno jurídico é a existência das leis: sem a existência de códigos, consuetudinários ou escritos, não há que se falar na existência do direito. Englobamo-los sob o prisma da ciência estrito senso (Kelsen e o positivismo jurídico).

O segundo paradigma indiciário da experiência jurídica é o sentimento de justiça, ínsito no desejo humano de uma convivência social compartilhada na igualdade e na equilibrada distribuição dos bens disponíveis. É o mundo dos valores, englobados sob o prisma da filosofia.

O terceiro paradigma indiciário da existência do direito é a vivência gregária do ser humano, surgida a partir de sua dependência biológica e social, de sobrevivência e mútua troca de interesses. Concebemo-los envolvidos na categoria da ideologia.

Outros paradigmas semióticos podem ainda ser considerados como expressivos da experiência jurídica, como a organização política (o Estado), a existência dos processos, as condutas,  etc. Não obstante, há que se distinguir entre condicionantes essenciais e acessórios. Consideramos, na forma tradicional, que os três primeiros supracitados (ciência, filosofia e ideologia), são os essenciais dentro das perspectivas semióticas.

Na continuidade, importa desdobrarmos os significados latentes presentes nos paradigmas essenciais, seguindo  o entendimento da maioria dos jusfilósofos :

  1. o mundo das leis jurídicas é o campo positivo de análise do direito, e, por isso, considerado ‘científico’, em termos próprios (Kelsen).
  2. as considerações sobre o sentimento do justo oscilam entre a teoria e a ideologia. A teoria da justiça diz respeito àquela contida na lei; já a ideologia da justiça é a consideração da mesma em termos programáticos ou de dever-ser. Em ambos, trata-se apenas de especulações filosófico-ideológicas.
  3. Em relação aos fatos sociais que dão origem ao direito, podem ser vistos sob perspectiva geradora de políticas jurídicas (ciência) ou condicionados pelo ser humano (antropologia) ou pela história. Em ambos os casos, oscilam entre dados críticos e conjunturais, de polêmica interpretação.

Esta significação tridimensional do direito encontra-se in nuce em todas as abordagens históricas sobre a natureza do fenômeno, variando apenas de perfil conforme a índole de cada autor. O prof Miguel Reale, uma das maiores expressões de nossa cultura, é o responsável por uma Teoria Tridimensional do Direito (S.Paulo, ed Saraiva, 1980), de características integrativas.

Ora, essa tridimensionalidade indica a implicação dialética daqueles três paradigmas (ciência, filosofia e ideologia), de tal forma que cada um deles, tomado isoladamente, carrega consigo os outros dois, na forma de uma correlação de implicação semiótica.

Assim, partindo do enfoque das leis jurídicas, o mais expressivo para caracterizar o direito, podemos inferir as nove ciências que formam a essência do campo jurídico. Para tanto, vamos considerá-lo em três momentos (diacronia), assim discriminados :

1) a existência das leis (a ciência do direito) :

  • ciência pura: dogmática jurídica (1)
  • filosofia científica: lógica e epistemologia (2)
  • ideologia científica: política jurídica (3)
    • dogmática jurídica: é o conjunto das leis vigentes; é a ciência jurídica no sentido kelseniano;
    • lógica e epistemologia: é o estudo da coerência das expressões legais, bem como da estrutura da ciência jurídica.
    • política jurídica: trata da criação e da modificação das leis no tempo.

2) a consistência das leis (a filosofia do direito) :

  • ciência filosófica: teoria geral do direito (4)
  • filosofia pura: conceitos de direito (5)
  • ideologia científica: sociologia e crítica do direito (6)
    • teoria geral do direito: é a ciência da sistematização do direito positivado; é a teoria do ordenamento
    • conceitos de direito: é a ontologia jurídica; discrimina as definições, os diferentes significados atribuídos ao direito como um todo.
    • sociologia e crítica do direito : procura fontes sociais, históricas ou críticas do fenômeno jurídico

3) a aplicação das leis (a ideologia do direito):

  • ciência ideológica: jurisprudência dogmática (7)
  • filosofia ideológica: axiologia jurídica (8)
  • ideologia putra: teoria e ideologia da justiça (9)
    • jurisprudência dogmática: resulta da aplicação da lei aos casos judiciais
    • axiologia jurídica: trata dos valores jurídicos, em sentido genético ou teleológico; ética, justiça, segurança, ordem e paz são valores jurídicos fundamentais
    • teoria e ideologia da justiça: envolve o trato legal ou apenas ideologizado da justiça (cfr. BOBBIO,N. A Teoria das Formas de Governo. Brasília, ed UNB, p. 28, 3ª ed).

Como se vê, o conhecimento do direito envolve, ao mesmo tempo, a sua concreção nas leis, a sua aplicação e a sua consistência formal, não havendo a possibilidade de considerá-las isoladamente, o que vem caracterizar uma combinação de paradigmas.

III- O DIREITO EM PERSPECTIVA SEMIÓTICA

Referindo-nos ao modelo tridimensional do direito, envolvendo as leis (ciência), os valores (filosofia) e os fatos sociais (ideologia), a tese do professor Miguel Reale é a de que é impossível o tratamento isolado de qualquer desses paradigmas, o que nos leva a tratá-los, alternadamente, em sincronia (ao mesmo tempo), quando nos referimos à estrutura e em diacronia (em momentos sucessivos), quando nos referimos à dimensão funcional. Importa reconhecer, não obstante, que esta distinção é relacional e mutuamente dependente, conforme nos demonstra o quadro abaixo (demonstração da circularidade relacional):

Tabela-Quadrados

 

Tabela-Textos

Ora, a semiótica, combinando esses três paradigmas (ciência, filosofia e ideologia), torna-se ferramenta capaz de mostrar como seria possível um quadro de relacionamento entre eles. Assim, considerando a estrutura em linha horizontal, partimos das leis vigentes (1, existência, dogmática jurídica), tendo em mente a necessidade simultânea de tratá-la em sua lógica (2) e em sua dependência à política (3). A próxima etapa, da consideração da consistência própria da dogmática jurídica, sua funcionalidade implica a sua consideração como teoria geral do direito (4, sua expressão científica), e também com a ontologia e definições do direito (5);  finalmente, em complemento, com a antropologia e a história do direito, em nível de fatos sociais (6).

Por fim, em nível de aplicação funcional, a dogmática jurídica passa a se expressar como jurisprudência, quando os magistrados aplicam-na no julgamento dos processos (7). Contudo, essa atividade envolve simultaneamente os valores a serem preservados (8), bem como os ideais de justiça a serem alcançados (9).

Para completar, no que se refere à funcionalidade na etapa de aplicação do direito (diacronia), observamos que as leis vigentes (1, dogmática) envolvem como consideração posterior a sua própria consistência, o que procura fazer a teoria geral do direito (4); não obstante, tal análise ficaria incompleta funcionalmente, se faltassem os elementos relativos à jurisprudência dogmática (7).

Da mesma forma, quando tratamos dos aspectos filosóficos da experiência jurídica, o ponto de partida deverá ser uma análise da lógica e da epistemologia (2) como também dos conceitos de direito (5), sempre tendo como referência básica a pergunta latina: Quid sit ius? (Que é o Direito?). Na continuidade, tais considerações ficariam incompletas se não culminassem no exame da axiologia jurídica ou o estudo dos valores que devem sustentar qualquer ordem jurídica digna desse nome (8).

E, como fechamento da circularidade relacional presente no processo hermenêutico do direito, importa termos em mente seus condicionamentos ideológicos, envolvendo os fatos sociais. Em relação à dogmática jurídica, tais considerações ideológicas dizem respeito às formas pelas quais os legisladores têm conduzido os processos de vigência e revogação das leis (de lege ferenda, de lege lata), dentro da chamada política jurídica (3).

Outros aspectos importantes relacionados aos condicionamentos ideológicos do direito referem-se às origens antropológicas e sociais do direito, envolvendo sua história e sua crítica (6). São discussões em nível de consistência, fundamentais para legitimar a existência do próprio direito (marxismo).

Como que fechando o círculo, a teoria e a ideologia da justiça, segundo N.BOBBIO, coroam as apreciações ideológicas do direito, a primeira se referindo ao conteúdo de justiça que a lei contém; já a segunda, a ideologia da justiça, refere-se ao conteúdo de justiça que a experiência jurídica deveria conter (9).

Em conclusão, pode-se perceber que há uma correspondência entre os diversos quefazeres jurídicos, seja analisando-os sob prisma estrutural ou funcional, demonstrada pela mesma relação dos números (1,2,3; 456; 789) como estrutura e (147; 258; e 369) como função,  o que demonstra a circularidade hermenêutica do direito. O eneagrama abaixo demonstra essas relações:

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IV – NOVAS CONCEITUAÇÕES SEMIÓTICAS

Dogmática Jurídica – É o conjunto das leis em vigor. Segundo Kelsen, é o único setor, dentro de todas as atividades jurídicas, que pode ser considerado ‘científico´, por admitir ser analisado, com clareza, em sua lógica e em sua linguagem.

Teoria Geral do Direito – Aparentemente sucedânea da filosofia do direito, a TGD tem o seu espaço semiótico próprio, em termos de teoria do ordenamento (Bobbio) ou conceituação genérica das estruturas da norma (Kelsen). É conhecimento de forte pendor dogmático, com perfil sistematicamente lógico.

Jurisprudência Dogmática – Que oscila entre a razão (texto da lei) e a vontade (decisão judicial), a partir do paradoxo de ‘respeito à vontade da lei’ (sic). A subsunção da lei ao caso concreto não é um silogismo lógico, envolvendo também a hermenêutica, de cunho filosófico e ideológico, o que garante a proeminência dos valores dentro da experiência jurídica.

Lógica e Epistemologia Jurídica – A lógica jurídica é prudencial, no sentido aristotélico de phrónesis, meio-termo entre a demonstração e a verossimilhança. Não é uma lógica dedutiva, mas é apenas uma lógica do razoável (Recasenz Siches).

Ontologia Jurídica – Não há como limitar a experiência jurídica sob um único paradigma. Cada conceito emitido sobre o direito é o desdobramento de uma perspectiva diferenciada, subjacente a um ângulo de análise. Daí o sentido pluridimensional do direito.

Axiologia Jurídica – oscilando semiologicamente entre a filosofia e a ideologia, os valores jurídicos constituem a própria alma do direito. Como topoi ou referenciais de avaliação, implicam o perfil hermenêutico do direito (cfr.Carlos Cossio. La valoración Jurídica y la ciencia del derecho. B.Ayres, Ed Arayú, 1954).

Política Jurídica – É o problema fundamental da criação e revogação das leis, na dinâmica do processo legiferante. Dentro da  realidade  dos fatos sociais que geram as leis, cabe aos legisladores a perspicácia necessária para não tornarem o sistema jurídico disperso e contraditório em sua estrutura. Ainda mais, os parlamentos não foram criados apenas para fazer leis. A sua transformação em fóruns de debates, realização de seminários, congressos, ciclos de estudos, haverá de trazer grandes benefícios à coletividade.

Sociologia, Crítica e História do Direito – De índole mais ideológica do que científica, tais ‘ciências’ se caracterizam pela imprecisão de julgamentos incompletos. Nem, por isso, deixam de ter importância dentro das análises do direito.

V- DIREITO: LINGUAGEM E SEMIÓTICA 

O exercício da atividade jurídica se dá de forma linguística, expressando ideias, valores e intenções. Por isso, faz-se necessário distinguir, nas expressões linguísticas do direito, os seus aspectos sintáticos (locucionários), os seus aspectos semânticos (ilocucionários), e os seus aspectos pragmáticos (perlocucionários).

É assim que temos de distinguir, nas linguagens jurídicas, entre o texto das leis, seus significados precisos e as reações que provocam entre os litigantes e as consequências sociais advindas pelo término dos litígios.

O DISCURSO JUDICIAL

Na esfera das demandas jurídicas, verifica-se que há um autor formulando uma petição (tese), dentro da qual o réu deve propor uma contestação (antítese), que por fim será concluída pelo órgão julgador, sob a forma de uma síntese.

Vê-se, portanto, que as linguagens jurídicas atuam no âmbito das divergências conceituais, eivadas que ficam de contradições e argumentos conflitantes. A tese representa a demanda processual, na qual o autor recorre ao poder público no sentido de obter a conquista de um bem que julga ser seu, ou, ao contrário, o ressarcimento de um prejuízo supostamente sofrido, e que não tenha dado motivo aparente. Para tanto, deverá satisfazer os pré-requisitos exigidos pelo código de processo, para que assim possa se habilitar à conquista do pleito.

Por outro lado, ao réu competirá sobrepor argumentos convincentes para neutralizar as acusações contra si formuladas pelo autor, apresentando as provas a seu favor (CPC – art 300), com isso pretendendo a impugnação das razões de fato e de direito que contra si foram apresentadas nos autos. Dessa forma, consideram-se provas todos os meios legais e moralmente legítimos que possam corroborar com a demanda proposta, seja por parte do autor, seja por parte do réu (CPC – art 332).

A prática jurídica fica assim à mercê de discursos e argumentações que reforçam a legitimidade das pretensões levantadas, e que, como teses ou antíteses, se tornarão objeto de convencimento das autoridades judiciárias.

No que diz respeito aos órgãos julgadores, cabe-lhes, em forma de síntese, mediante provimentos legais (despachos, decisões interlocutórias, sentenças), promover o desenvolvimento regular e a conclusão do processo, de forma a garantir a tutela jurisdicional do Estado.

A subsunção da lei ao caso concreto representa o munus legal da autoridade judiciária. Não obstante, não se trata de uma prática mecânica ou silogística, mas sim de um ato que demanda cuidado, prudência e sabedoria da parte do julgador, de forma que o término do processo fique próximo, tanto quanto possível, dos verdadeiros objetivos da justiça (CPC – art 131).

Nesse sentido, a semiótica tem muito a oferecer na transmissão das argumentações requeridas, acrescentando não só uma convincente retórica aos discursos, mas principalmente, pela lógica e coerência de suas colocações naquelas questões de profunda controvérsia, como são, por exemplo, os casos de uniões homossexuais, a liberdade a ser concedida aos filhos, as exigências do amor no casamento, etc. É por isso que a semiótica constitui uma arte na argumentação, exigindo inteligência e oportunismo em sua retórica.

VI- UTILIDADES DA SEMIÓTICA NO DIREITO 

O estudo da semiótica aplicado ao direito se nos apresenta hoje dotado de grande utilidade, tendo em vista não só as carências demonstradas pelos estudiosos no tocante à filosofia do direito, como também pela necessidade de maiores esclarecimentos ao público em geral das noções básicas do alcance, do uso e da maneira mais correta de utilizar os princípios  jurídicos e suas consequências práticas.

Dessa forma, alguns objetivos são propostos:

  1. O que é a semiótica e o que ela representa para o direito
  2. O direito como fenômeno linguístico-significativo
  3. Conhecimento adequado da estrutura e funcionalidade das ciências jurídicas
  4. Uso correto de seus conceitos científicos básicos, dando maior precisão aqueles de interpretação, liberdade perante a lei, política jurídica, contrato social, direito e linguagem, a sintaxe, a semântica e a pragmática do fenômeno jurídico, etc.
  5. A utilidade da teoria tridimensional do direito e sua explicitação semiótica
  6. Caracterização semiótica da interpretação jurídica
  7. As relações entre o jurista, o filósofo e o político como partes envolvidas na caracterização adequada do direito.

Considerando, como  fez Charles Sanders Peirce,  que qualquer processo de semiose se delineia como uma estrutura heurística criadora de significações, a semiose jurídica não poderia se afastar dessa realidade primária, o que resulta na abertura de um amplo horizonte de criatividade apofática, sem perder os vínculos da estrutura lógica que permeia toda a circularidade dos processos de interpretação jurídica.

O mais recente atentado às crianças no pacato estado americano de Conecticut traz à tona o velho dilema jurídico entre as opções de  liberdade e preservação da vida, o que, para qualquer cidadão de bom senso representa um fácil caso de escolha. Não obstante, preconceitos arraigados na história americana têm impedido até agora que as concepções sejam modificadas. Sem dúvida, a semiótica poderia ajudar!

Como se vê, há um amplo campo de atividades de pesquisa relacionadas aos significados dos procedimentos jurídicos e suas formas de comunicação, o que vem enriquecer sobremaneira as atividades profissionais dos operadores do direito.

VII- HERMENÊUTICAS APORÉTICAS DE HARD CASES

A atividade semiótica de nossa inteligência pode nos ser útil, no momento em que nos defrontamos com alguns casos difíceis de solução (hard cases), por contrariarem, seja o bom senso ou a lógica natural de nossa razão. Alguns casos são paradigmáticos:

  • Meninos de rua praticando assaltos
    • a culpa não é dele, mas da sociedade que o abandona
    • a culpa é do Estado, que não os educa e não os recolhe das ruas
    • a lei deveria ter para com eles uma atitude rigorosa, punindo-os como se fossem adultos
  • Em noite chuvosa, mãe com bebê no colo sofre sem nenhuma proteção
    • somos todos perversos, por não dispormos de compartilhar auxílio
    • a ausência do poder público é indiferente com as desigualdades, pela falta de órgãos mais próximos às necessidades das minorias
    • o desleixo também é motivo de agravamento das situações
  • O Dia da Consciência Negra deve se tornar feriado nacional
    • é útil para tornar sempre presente a luta dos negros por sua emancipação
    • é fator de comprometimento à integração racial
    • é bonito, mas não precisa se tornar feriado nacional
  • Pais trabalhando em casa para que as esposas possam trabalhar fora do lar
    • o caso contraria uma tradição milenar
    • coloca o homem em posição de inferioridade
    • a longo prazo, é fator de desequilíbrio da estabilidade conjugal
  • Se a crença em Deus altera para melhor ou pior as relações humanas
    • é lógico que a crença em Deus deveria fortalecer as relações de fraternidade  entre os homens
    • porém, muitas religiões matam em nome de Deus
    • agnósticos e ateus podem se tornar tão humanos quanto os crentes
  • Sobre a prática do aborto
    • é direito da mulher que respeitem suas convicções
    • o feto merece viver, sob quaisquer condições de risco
    • a lei poderá regular os casos permitidos para a prática do aborto
  • Sobre a eutanásia
    • pacientes terminais têm o direito presumido de abreviar suas vidas
    • de maneira alguma, pois ninguém é dono de sua vida
    • os parentes podem decidir, m caso de inconsciência do paciente
  • Sobre a gravidez de adolescentes
    • o fato deve ser recebido com naturalidade
    • as relações entre pais e filha ficam comprometidas
    • a ocorrência deve ser motivo para maior demonstração de amor
  •  Sobre o consumo de drogas ilegais
    • o uso individual deveria ser permitido
    • a repressão pela polícia deveria  aumentar
    • o esclarecimento nas escolas diminuiria a atração sofrida pelos Jovens
  • Sobre a necessidade de andar armado
    • todo cidadão adulto teria o direito de andar armado
    • a permissão deve ser restrita às situações de risco
    • a proibição deve ser completa
  • Sobre a homossexualidade
    • devem gozar de todos os direitos dos héteros
    • não devem constituir família
    • há homossexuais por doença ou por opção voluntária
  • Sobre a corrupção
    • o melhor combate à corrupção é pela educação e pelos meios de comunicação
    • a punição rigorosa e exemplar dos corruptos
    • diminuição da burocracia estatal, com menos funcionários usando o dinheiro público
  • Sobre o voto obrigatório
    • deforma a ideia de democracia
    • é uma forma de educar o povo para o exercício democrático
    • é imposição do estamento político, que necessita de  índices de aprovação

VIII- BIBLIOGRAFIA 

  • BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difel; Riode Janeiro; Bertrand Brasil, 1989.
  • COSSIO, Carlos. La Valoración Jurídica y la Ciência del Derecho. Buenos Aires: Arayú, 1954.
  • MENDES, Antonio Celso. Direito: Linguagem e Estrutura Simbólica. Curitiba, Ed Champagnat, 1996
  • PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo, Ed Perspectiva, 1977.