Só a ética do amor é absoluta

É moeda comum dizer-se que a ética é relativa, pois, face às diferentes situações em que nos encontramos, somos obrigados a moldar os nossos comportamentos de acordo com as exigências de cada situação, procurando obter o maior bem para cada caso.

Isto resulta facilmente verificável, pois, na condição de seres complexos, corporais e espirituais, importa que, ao agir, tenhamos de satisfazer diferentes apelos, sensíveis e racionais, o que nos coloca na condição de seres multiéticos, submetidos pelas diferentes naturezas das situações que por nós são vividas, o que faz da ética humana uma interdisciplinariedade.

Não obstante, a partir do universo quase que infinito das diferentes situações em que possamos nos encontrar, será possível sistematizá-las, tendo em vista aquele bem melhor que se persegue, conforme uma ênfase paradigmática de ação; assim, geralmente agimos:

1) para a obtenção de um prazer (sensibilidade, desejo)
2) com vistas a uma utilidade (eficácia)
3) no cumprimento de uma obrigação (dever)
4) para manifestar amor (concupiscência, caridade)

A procura do prazer sensível chama-se hedonismo. O recomendável é que os prazeres sejam usufruídos com moderação,pois qualquer excesso será sempre prejudicial. A ética da eficácia chama-se utilitarismo, que consiste em considerar como verdadeiramente valiosas apenas as coisas quando referidas à sua utilidade. Por sua vez, o agir preocupado com o cumprimento dos deveres tende a afastar os mesmos de suas finalidades, para se dedicar apenas com o formalismo da ação (o dever pelo dever, de Kant). Dessa forma, fica afastada uma ética de interesses (Aristóteles). Por fim, a ética do amor consiste na sublimidade da convivência, da felicidade e da doação.

Contudo, como se pode facilmente verificar, cada modelo de ética escolhida não se realiza de forma autônoma, mas entra necessariamente em intercâmbio de dependência com os demais aspectos paradigmáticos, de tal forma que podem ocorrer inúmeras combinações, por exemplo, da utilidade com o prazer, do dever com o amor etc.

Face a tudo isto, resulta que acabamos por ficar confusos quanto a possibilidade de estabelecer um discurso coerente quando referido à consistência dos diversos comportamentos éticos que devamos tomar. É como se não houvesse um princípio absoluto que pudesse guiar nossas decisões quando referidas à dicotomia entre o bem e o mal.

No entanto, podemos encontrar uma saída. se dermos preferência à ética do amor. Se é difícil conceituar o amor, muito mais difícil ainda será praticá-lo, pois há amor egoísta (concupiscência) e amor de benevolência (caridade), há amor próprio e amor desprendido, há amor erótico e amor platônico etc. Se a época atual conquistou muito em amor erótico, importa que estas liberdades conquistadas sejam transformadas em mais amor fraterno, compromisso e tolerância.

Não obstante, podemos concluir que, sob todas as formas em que ele se apresente, o essencial caracterizador do amor chama-se doação, perdão e renúncia, quando amar é justamente preocupar-se com a felicidade do ser amado, pois o amor se identifica plenamente com o bem que o inspira.

“Ama e faze o que quiseres”, expressão de S.Agostinho que reflete bem a idéia cristã de que o verdadeiro pecado é não-amar, não ter no coração a benevolência, a caridade, o zelo para com a felicidade do ser amado. É por isso que o amor transforma a ética de negativa em positiva, do não-fazer para a alegria do agir, da frustração para a auto-estima. Do isolamento para a vida em comum.