Semiologia do conhecimento de Deus

Quando se trata de conhecer Deus, nosso vício permanente consiste em pensá-LO exclusivamente como objeto, um OUTRO que se opõe a mim como autoridade e juiz. Esta é uma opinião histórica que se encontra presente desde tempos imemoriais, resultante do hábito que temos de separar entre sujeito (que conhece) e objeto (que é conhecido), acrescida pelos preconceitos históricos de um masculinismo autoritário.

Com vistas a superar estes erros, importa que reconheçamos que qualquer conhecimento humano não é um confronto entre sujeito e objeto, mas sim uma relação triádica envolvendo um significante, um significado e uma representação, três partes que não são autônomas, mas que se co-implicam em relação de mútua dependência. Qualquer ato de conhecimento é, portanto, uma intuição pessoal tripartite, uma apropriação extática de outro que está em contato comigo.

Dessa forma, o significante é aquilo que provoca nossa sensibilidade; o significado é a reação estimulada em nossa mente e a representação é o laço que resulta do intercâmbio significante/significado. É assim que qualquer processo de conhecimento toma uma característica virtual, simbólica, dependente seja de nossas impressões sensíveis (do mundo exterior) ou intelectuais, abstratas (criadas apenas pela mente).

Ora, o conhecimento de Deus se processa da mesma forma, uma intuição semelhante a qualquer outra, porém original e específica em sua natureza, o que a torna única em seus termos significantes, em seus significados e em sua carga simbólica. Vejamos como isso se expressa:

1º) Deus como significante: As indicações que temos da existência de Deus nos vêm à mente da forma tradicional como foi tratada pelos grandes sábios e místicos que nos antecederam:

– O Universo possui uma Causa. Imanente às coisas, Deus é também Transcendente a tudo.  Criador de todas as coisas, capacita o ser humano a conceber valores: a vida, o bem, a liberdade, a fé, as artes, fontes de nossa espiritualidade. Presente em cada coisa (extensão), Deus é difícil de ser compreendido (essência), o que nos leva, pela lógica, a pensá-LO como Individualidade (Pessoa), na expressão mais ampla de sua consistência (pois, quanto menos extenso é um significado, mais compreensível ele se torna). Fonte da transformação de tudo, Deus faz disso uma dinâmica de aperfeiçoamento, apesar do aparente caos, que nos sugere humildade e alta inspiração de confiança.

2º) Deus como significado: São as reações que a crença em Deus nos provocam, diante da constatação de que ELE existe como Pessoa: Ela nos torna humildes e reverentes, a partir de uma sensação diuturna de Sua presença, dentro e fora de nós.

-A partir de então, tudo passa a ter sentido. Nenhum mal ou bem é agora substancial, mas devem ser considerados como oportunidades colocadas diante de nós, como aceitação de Sua Vontade.

3º) Deus como representação: são as inúmeras formas mentais, materiais ou artísticas que usamos para experenciá-LO: o nome de Deus não pode ser pronunciado nem mesmo expresso em imagens. Não obstante, Deus tem estado presente a nós de diversas formas, dependendo das culturas e das épocas: revelações, lugares, imagens, totens, ícones, mandalas, uma profusão de símbolos querem expressar o divino. Contudo, a presença mística e extática de Deus no coração humano é a forma mais pura que se nos oferece para senti-LO de forma direta, sem intermediários, como expressou S.Agostinho: Deus sensível ao coração, não à razão.