Os dualismos não se sustentam

A partir de HERÁCLITO de Éfeso, há uma tradição forte dentro da filosofia, com base na dialética, segundo a qual tudo no mundo se autodestrói a partir de seu contrário, o bem se opondo ao mal, a saúde à doença, a riqueza se opondo à pobreza, a vida diante da morte. No século XIX, HEGEL consolidou esta tradição, espiritualizando os contrastes, dentro de uma concepção holística de conciliação.

Dessa forma, seria mais consistente percebermos que as aparentes contrariedades existentes entre todas as coisas são apenas conclusões de nossos raciocínios e não coisas reais, pois o que se observa na natureza e no palco do Universo são apenas fases de um processo complementar, na qual tudo contribui para a harmonia dos acontecimentos criativos globais.

Assim, seria bom se percebêssemos que a morte não se opõe à vida, mas é a condição necessária para a própria sustentação da existência, sem a qual novas vidas não seriam possíveis. Pois a morte redime a vida, sustentando suas possibilidades dentro de um limitado período de tempo, o suficiente para concretizarmos nosso destino. Em perspectivas cristãs, a morte é felix culpa que oportuniza a redenção de CRISTO, segundo Sto. Agostinho.

Igualmente, o mal é apenas a ausência do bem, a carência natural do desajuste dos acontecimentos, que não necessita ser superestimado, mas apenas compreendido dentro das limitações inerentes à interação de causas. Ora, compreendendo o mal dessa forma, somos libertos de todas as formas de maniqueísmo, culminando na conclusão de que não há nada a perturbar o acerto do processo criativo, que olha o mal apenas como uma oportunidade de graça e perdão (S. Paulo, Epístola aos Romanos). É dessa forma que os dualismos contraditórios ficam abalados, restando-nos indagar se o retorno a um monismo místico, bem próximo do Reino proposto por CRISTO, não seria a verdadeira consistência da realidade.

Pois Deus, como Pressuposto de Inerência, não deve ser visto como fonte das contradições, como algo se opondo ao Universo, mas sim como sustentáculo e condição de todo o existir. Por isso, sendo Eterno em Si Mesmo, o nada nunca tem lugar, sendo apenas uma abstração de nossa mente, que insiste em pensar sempre no início temporal de alguma coisa como contrária à outra, como na indagação do que existia antes do Big Bang! Imanente e transcendente a tudo que existe, Ele faz com que cada coisa criada expresse esse condicionamento metafísico (causa primária), simultaneamente fazendo-as emergir de causas naturais (secundárias).

Ora, esta concepção unificada e harmônica do Universo há muito que vinha perdendo a sua consistência, pela teimosia dos cientistas e filósofos, a partir do século XVII, em descobrir que tudo provinha de causas naturais. Não obstante, depois do desencanto do caráter mágico do mundo, através da marcha avassaladora do materialismo radical, eis que as próprias pesquisas científicas passaram a nos mostrar o quanto elas são relativamente coerentes, necessitando contudo da fé para compreendê-las integralmente.

A versão hoje é o reconhecimento de que há no Universo um processo transformativo que leva em conta não só as incertezas da física quântica, como a necessidade de reconhecer que há um determinismo inerente à própria consumação dos eventos, em nível de totalidade. Assim, ‘cada ocasião temporal corporifica Deus e é por Ele incorporada’(GRIFFIN, David Ray & SHERBURNE, Donald. Process and Reality. N.York, Free Press, 1978).