O Universo é indiferente à dor

É fato reconhecido que aparentemente há um real desencontro entre o que acontece na Natureza e o que as pretensões humanas esperariam dela. E por que será que os fenômenos físicos, em certos casos, pelas suas dimensões catastróficas, nos pareçam tão perversos e trágicos, de forma a abalarem nossas convicções mais comuns de que há uma ordem cósmica providente a orientar o destino geral de tudo? Refiro-me aos recentes acontecimentos no Haiti e, por que não dizer, a tantos outros, sempre se repetindo, contrariando assim nossas pretensões?

Por isso, a maioria das pessoas se convence de que o Universo desconhece os sentimentos, de tal forma que os sofrimentos não fizessem parte intrínseca ao mundo físico, sendo, portanto, uma reação puramente humana, criada pelo nosso psiquismo espiritual. Não obstante, se levarmos em conta que tudo está relacionado, que tudo constitui uma unidade na qual vigoram leis de dependência recíproca, temos que aceitar a tese de que os fenômenos físicos não são indiferentes às nossas sensações de dor e infelicidade (sic).

Ora, parece claro que, se quisermos entender a natureza própria dos acontecimentos, necessário se faz reconsiderar, sem desespero ou emoções descabidas, o que significa o sofrimento diante da realidade humana cósmica, como já faziam os sábios estóicos antigos, como ZENON de Cítium, EPICTETO ou MARCO AURÉLIO, que cultuavam a chamada apatia ou indiferença diante dos fatos comuns ou do inesperado trágico. Pois, é de consenso que nós humanos temos a tendência corriqueira de maximizar qualquer dor que nos atinja, caindo em prantos por quaisquer ameaças que perturbem nossas aparentes tranqüilidades.

Contudo, a superação dessas intranquilidades só se dará de forma cabal se considerarmos que nossa realidade circundante se constitui como uma circularidade de dimensões concêntricas, na qual convivem a matéria, a vida, a mente, a alma e o espírito, mutuamente dependentes, porém em expansão e profundidade inversamente proporcionais, ou seja, quanto mais um círculo é primário, menos representa em profundidade psíquica, por se situar como pressuposto de anterioridade hierárquica.

Pois é dessa forma que todos nós somos dependentes de nossa materialidade, que por sua vez condiciona a vida, que por sua vez condiciona nossa mente, que por sua vez condiciona nossa alma, que finalmente condiciona nossa espiritualidade.

Assim, foi dado o primeiro passo para que possamos compreender como é frágil nossa vida consciente e como se torna bem difícil querer reconhecer no mundo da matéria os indícios de qualquer psiquismo, por se situar claramente apenas em nosso cérebro. Não obstante, tais indícios existem e estão sendo explorados pelas pesquisas científicas (teoria dos quanta), o que vem confirmar a tese da dependência concêntrica de todas as coisas, respeitados seus atributos próprios (Cfr. Uma Breve História do Universo. KEN WILBER. RJ, Ed Nova Era, 2006, 3ª Ed).

Dessa forma, podemos dizer, metaforicamente, que todas as catástrofes físicas que nos atingem não são queridas pela Natureza, mas se sucedem como forma de esforços para alcançar novos níveis de estabilidade criativa, não devendo ser consideradas apenas trágicas, mas, sobretudo, como inerentes ao nosso destino humano, o preço que temos de pagar pelo processo de evolução, que se transforma a cada instante.

É assim que tais condições adversas de nosso relacionamento com o mundo físico não deve ser considerado antagônico, mas como etapas a serem vencidas no processo de evolução que caminha aceleradamente na senda da autonomia plena do Espírito.