O ser virtual

A atitude ingênua vê o mundo como algo objetivo. Porém, basta só um pouquinho de reflexão para percebermos como tudo é apenas figuração de uma realidade que contém uma infinidade de perspectivas, cuja consistência é estar sempre em mudança. O ser virtual é a condição de um Universo em constante transformação, mas que nunca deixa de ser, assumindo sempre novas formas. Ele é o milagre do acontecimento, o surgir momentâneo, sendo criação e destruição ao mesmo tempo. Se para todos os seres há sempre uma docilidade passiva que os torna reféns deste processo inexorável, o ser humano, pela sua consciência, procura superar esta condição fugaz.

Como podemos verificar, o espaço e o tempo são virtuais, nossa vida consciente também é estofo puro de virtualidades, o mesmo ocorrendo com a natureza subtil da matéria, instável e precária em sua estrutura e substância quântica. Onde repousa então a permanência? Ora, a consciência de coisas estáveis é apenas uma virtualidade de meu espírito, que anseia superar o paradoxo da instabilidade permanente de todas elas.

Dessa forma, nós somos seres que conseguem captar algo diferente, na medida em que nosso corpo e nossa consciência são apenas uma sucessão de vivências, como atores e testemunhas de um desenrolar de acontecimentos que nos acometem, mas sempre dependentes de nossa criatividade, racionalidade, sentimento e liberdade, todas características (virtuais) de nosso eu mais profundo.

Por isso, o ser virtual se entende como passivo (estado) e como ativo (ação). Como passivo, o ser humano se refere ao mundo exterior, contemplando a condição de evanescência que afeta tudo o que aparece; como ação, o ser humano está voltado para o interior de sua sensibilidade, assumindo a atitude heróica e consciente de que tudo que é, é também passageiro e também precário, existindo apenas na fragilidade de seus momentos e somente eternizados por objetos ou imagens que nós mesmos criamos.

Não obstante, a virtualidade das coisas e dos sentimentos pode dar origem a traumas e distúrbios psicológicos que fogem da normalidade, quando o eu se torna refém de transtornos mentais, como na esquisofrenia e no delírio. Aqui, técnicas terapêuticas virtuais são igualmente os melhores processos de cura, como FREUD procurou orientá-las de forma científica.  Isto se explica e é apenas uma prova de que há uma homologia entre a virtualidade das coisas e a capacidade humana em apreendê-las, sendo a Natureza e nosso Espírito uma mesma realidade, substancial em sua essência, mas virtual em sua ação.

Dessa forma, ser virtual implica contemplação e agir, ontologia e ética. Pois, em relação à nossa natureza mais essencial, reconhecer a virtualidade de nosso ser é flutuar na instabilidade das ocorrências que nos atingem a todo o momento, tornando-nos conscientes de nossa fragilidade diante de uma trama na qual somos também atores. Ora, isso implica em assumir uma atitude corajosa diante das incertezas, uma ascese fortalecida diante do que nos acontece, passando a considerar tudo como resultado de um realismo fantástico, a mágica de uma evolução criadora, na qual cada um de nós tem a obrigação de participar, seja pela nossa criatividade (arte), seja pela nossa racionalidade simbólica, criando novas formas de compreensão.

Exemplo notável disso é a existência da arte, que a cada olhar nos sugere uma perspectiva diferente, uma imagem refletindo múltiplas coisas, dependendo da intuição de quem as contempla. Dessa forma a pintura, a música, o teatro, a literatura, a fé, são manifestações virtuais que expressam, de forma notável, a natureza peculiar de toda a realidade na qual estamos envolvidos, dando-nos uma indicação do caráter espiritual de tudo que nos diz respeito e nos mostrando, ao mesmo tempo, como é simbólica, mas real, a perfeição de todas as coisas.

Pois a explicação final de tudo repousa nessa nossa capacidade de perceber, para além de qualquer obstáculo, que há algo evidente a sustentar tudo, mesmo na sua precariedade, mesmo na sua temporalidade, como um virtual que nunca diz o que é, mas que nunca deixa de ser, estando sempre presente.

Ser virtual é, pois, fazer surgir um novo homem, conscientizado por uma nova compreensão, ciente de sua fragilidade, mas, ao mesmo tempo, fortalecido pela inspiração de que Existe Algo a manter este milagre que é a sustentação da própria permanência.