O presente é eterno

O tempo, para o ser humano, é uma realidade virtual, produto privilegiado da combinação de nossa percepção espiritual com a alteração dinâmica das coisas. é assim que conseguimos perceber o tempo como sucessão (momentos) e como duração (instante), que no dizer de Henri Bergson, são duas formas antagônicas de nossa percepção de um só fenômeno.

O tempo, pensado como fases sucessivas, oscilando entre passado, presente e futuro, é o resultado analítico de nosso labor mental, pois na natureza parece só existir um momento, o presente milagroso do instante que nunca se extingue. Temos aqui, então, a convivência paradoxal do tempo duração (presente), com o tempo sucessão (passado e futuro), percebido como se fossem diferenciados.

Ao percebermos o tempo sucessão, somos submetidos a reações de alegria ou tristeza, dependendo da forma como vivenciamos as lembranças do passado, ou, ao contrário, permanecemos perplexos pelas incertezas do futuro, que nos assustam e nos preocupam.

Ora, trata-se aqui de reações criadas pela nossa sensibilidade, às quais seria ótimo se pudéssemos superá-las, passando a nos preocupar apenas com o que de fato é real e que consiste somente no aqui e agora, esta percepção de um instante que, mesmo fugaz, representa o milagre permanente do surgimento de coisas sempre novas.

Sem dúvida, isto representaria uma revolução notável em nossa maneira de encarar as circunstâncias e os acontecimentos que nos afetam, que seriam doravante considerados como momentos insubstituíveis de participação, enriquecimento, serviço e doação. Como afirmou Nietzsche, “o presente é divino na medida em que é a expressão de um sim à vida”.

Contudo, o presente pode também implicar o trágico, pela perda do sentido permanente das coisas. Esta tem sido a reação corriqueira da pós-modernidade, que não encontra algo digno para preservar. Aqui, só um apelo à originalidade da arte poderia nos modificar, se passássemos a perceber o presente como um fiat semelhante à criação artística, que representa a consagração de uma perenidade: pois isto é o que a arte significa, no espontâneo de sua originalidade!

é dessa forma que, se vivermos preocupados apenas com o presente, isto representará um alívio em nossas preocupações temporais, mas ao mesmo tempo nos desafiará para que tais momentos se tornem dignos em sua ocorrência, ao se tornarem dignos, belos ou justos, dependendo apenas de nossa disposição em transformar nossa vida em valores que sejam dignos de preservação.

Isto representará um alívio em nossa preocupação exagerada quanto ao futuro, que depende apenas em parte de nossos esforços, dado que não estão em nossas mãos os instrumentos suficientes para conseguirmos os resultados desejados. Igualmente, aliviaremos nossas preocupações com o passado, repositório e letra-morta do que já aconteceu, merecendo apenas nosso cuidado para que não sejamos vítimas dos mesmos erros.

Sintonizados assim com a despreocupação do Universo quanto a seu futuro, que só a Deus pertence, nos haveremos de nos tornar mais dóceis para sentir o milagre do viver e como poderão se tornar produtivos nossos esforços para melhorar as condições gerais não só nossas, mas de todos aqueles que nos cercam.

Livrarmo-nos da obsessão do tempo é assim princípio de sabedoria, reconhecendo que o presente é eterno, como um instante de perspectivas transformadoras para todos nós, através da disposição de uma vivência que por ser fugaz, é eterna em sua única oportunidade.

Passado e futuro são perspectivas que apelam para nossas profundas sensações de nascimento e morte, que se tornam virtuais, se nos permanecermos concentrados apenas em nossa realidade presente, pois nascemos a cada instante, assim como estamos a morrer a todo o momento.

Concluindo, uma reeducação na maneira de considerarmos o tempo será fator fundamental para alterarmos nossas reações diante do mundo e da vida, por ficarmos cada vez mais atentos aos milagres do presente eterno que escoa sem nunca se exaurir, como uma implicação da transcendência com a imanência.