O mal apresenta aspectos virtuais

A ideia de mal surge de uma visão distorcida  dos determinismos naturais, quando contrariam nossas expectativas pelo bem. Digo distorcida por constatar que o bem e o mal  são  estranhos aos fenômenos da Natureza.  Ora, tal contradição faz os conceitos de bem/mal se tornarem virtuais, pelas próprias condições de nossa espiritualidade e pela tentativa de encontrá-los fora de nós. Tal antropomorfismo torna a discussão sobre tais valores bastante controversa, tornando-nos céticos em relação à sua  consistência (anfibologia).

“Há males que vêm pra bem”, eis um dito popular que indica a virtualidade dos aparentes males, o que nos assegura que sua ocorrência é aleatória, fruto apenas de nossas reações psicológicas. Doenças, infelicidades, a própria morte, são condições inelutáveis da condição humana, o que nos recomenda ser sempre gratos por termos sido trazidos à existência, algo ocasional e apenas possível. Assim, só pela fé será possível  compreender e aceitar o que o mal no provoca, como imitação do Cristo em Sua agonia.

O ser humano tem a tendência de  exasperar a presença do mal entre os acontecimentos, o que pode indicar uma reação doentia ou patológica na apreciação da realidade, conforme foi sublinhado por FREUD, de forma eloquente, tornando-nos revoltados e insatisfeitos em relação a tudo que nos acontece. Ao contrário, a indiferença a tudo que  independe de nossa vontade representa  uma virtude estoica rara, mas bastante transformadora.

Importa, pois, que tenhamos cuidado com esta recorrência da ideia do mal em nossa mente, ao vermos em tudo apenas os aspectos negativos (maniqueísmo), frustrando  assim o verdadeiro sentido da criação, pois DEUS é bom e jamais se daria ao esforço de criar as coisas, se não fosse para coroar a felicidade de todos. É claro que, por ter nos dotado de liberdade,  o alcance dessa felicidade depende muito de nosso caráter e de nossas ações, o que demanda muita prudência de nossa parte.

O maniqueísmo é uma doutrina filosófica oriunda do Oriente, através do zoroastrismo e desenvolvida pelo filósofo  árabe MANI a partir do século III de nossa era, consubstanciada na concepção de que há no Universo a presença de dois princípios, o bem e o mal, que permanecem em constante luta para um sobrepujar o outro. SANTO AGOSTINHO  lutou muito para superar esta ideia, para ele comprometedora do verdadeiro cristianismo, que só crê em um só Deus, bom e generoso. A presença do demônio é apenas acidental, como a de um anjo decaído.

O Ocidente materialista, ao abandonar os valores cristãos, ao substituir a solidariedade pelo egoísmo capitalista, comete o pecado constante de acreditar mais na astúcia  do que no bem, pervertendo, com isso, uma visão harmônica da criação. Temos falhado na consideração das pessoas, temos sido pessimistas quanto aos verdadeiros objetivos do processo criativo, acreditando mais em nossos interesses ou na objetividade da ciência do que nas virtualidades da fé. Não obstante, como se sabe, nossas ciências são adiáforas e não estão aptas a orientar nossa procura dos verdadeiros bens que deveriam orientar a nossa vida. Esta é uma contribuição pós-moderna às críticas que atualmente são feitas ao alcance de suas conclusões, sempre dependentes da natureza e do perfil de suas pesquisas. Ora, isto explica os descalabros que o conhecimento científico tem causado entre nós, apesar de seus profundos benefícios, o que prova suas virtualidades e incertezas.