O espírito precisa salvar a razão

A Razão e o Espírito são categorias mentais criadas pela nossa inteligência, na forma de paradigmas abstratos necessários à compreensão da realidade que nos cerca, dentro de perspectivas virtuais ou simbólicas, mas que refletem bem a natureza de nossa intelectualidade. É um verdadeiro milagre que nosso cérebro tenha a capacidade de transcender os fenômenos sensíveis, dando-lhes uma natureza abstrata (a priori, segundo PLATÃO).

Não obstante, importa reconhecer com tristeza que até agora não temos sabido usar devidamente nossa razão, comprometida que está com o raciocínio lógico, as noções de causa e efeito, o rigor das leis naturais, os progressos científicos, colocando ainda a soberana  RAZÃO a serviço do capitalismo selvagem, da estratégia do desperdício, da despreocupação com o meio-ambiente, da concentração da riqueza, do domínio das armas e da soberania política.

Dessa forma, apesar de ter sido o maior motivo do progresso e do desenvolvimento cultural, inclusive salvando milhares de vidas pelas conquistas na cura de doenças, a razão instrumental está a merecer um tratamento corretivo consentâneo ao grau do desvirtuamento em que a temos considerado, completando-a com a sutileza de nossa sensibilidade espiritual.

Ao início deste novo milênio, não se trata, pois, de negar o império da razão, mas sim de promover uma transformação simbólica compatível com os novos desafios por ela mesma gerados e que se encontram agora sufocando os esforços inovadores no sentido de uma transformação verdadeira em nossas maneiras de olhar o mundo e a vida.

Assim, substituir a razão pelo espírito significa colocarmos nosso íntimo e nossa cosmovisão num patamar superior da presença de algo que nos ultrapassa, por ser a condição de nossa existência, mas que é, também, o motivo final da realidade que nos cerca. Presente em nosso interior e fora de nós, Ele é o espelho mágico que reproduz todas as aparências, como queria Jorge Luís Borges. Humano e Divino, o Espírito se nos apresenta imanente e transcendente.

Dessa forma, o Espírito é um sopro de vitalidade ao surgir de tudo que aparece, neutralizando as ameaças permanentes da entropia, o desgaste natural de um Universo que sempre pode não estar sendo, ao mesmo tempo em que nos sugere os limites estritos em que opera nossa razão, que pouco sabe da natureza verdadeira das coisas. Podemos dizer que a Razão é emanação do Espírito, a filha rebelde que ama o Pai, mas não sabe como conviver com Ele.

A partir do nível utópico de nossa espiritualidade, que vê tudo em forma de realismo mágico, o primeiro desafio que temos pela frente é o de considerar nosso planeta um local sagrado de vivência pacífica, passando a considerar as desavenças, sejam políticas, sociais ou ideológicas, ao redor de uma mesa de negociações, sem a ameaça de armas ou pressões econômicas. Outra exigência do Espírito é pensar que há a nosso alcance um reino virtual de valores que somos chamados a concretizar, dentro das inspirações que o próprio Espírito nos concede.

Converter-se ao espírito é, pois, um processo de superação da razão, um abrir-se às condições extraordinárias de tudo que existe, dentro das quais fica fácil perceber Sua Presença misteriosa.