O Espírito, no mundo do ser e do dever-ser

O espírito pertence ao mundo do ser e ao mundo do dever-ser. Quando considerado restrito apenas ao universo das coisas sensíveis, imanente, ele tende a se imiscuir e desaparecer na transformação de todas as coisas, perdendo-se no sem sentido do mundo exterior. Por outro lado, o espírito também envolve o mundo do dever-ser, o mundo simbólico dos valores, sendo, portanto, transcendente a tudo, manifestando-se como o bem, a verdade, a beleza, a arte e a cultura, que são características que envolvem também os processos naturais.

Ora, esta situação paradoxal do espírito diante do Universo e de nossa intuição de sua realidade virtual, nos obriga a considerá-lo de forma específica, ao mesmo tempo sendo imanente e transcendente a tudo, fugindo, seja do panteísmo ( Deus sive natura, de SPINOZA), seja de um agnosticismo ignorante, que insiste em negar a realidade transcendental dos valores (RICHARD DAWKINS).

O termo adequado para significar esta realidade dual do Espírito, no Universo e em nós, chama-se panenteismo , termo criado por ALFRED NORTH WHITEHEAD e seus seguidores, ou seja, a compreensão de que o Espírito é realidade presente tanto no mundo transcendente dos valores, como  também nos processos físicos da matéria, tornando-a coerente em sua realidade caótica. Esta nova compreensão se torna útil também para que possamos entender a autonomia dimensional, sob a forma de processão, que condiciona de maneira substancial, os diferentes domínios do processo criativo.

Ora, o reconhecimento dessa realidade foi fundamental para STO. AGOSTINHO e muitos outros teólogos, que se encontravam aflitos com o problema do mal, a partir do pressuposto de que Deus, sendo a excelência do bem, jamais poderia permitir que ele ocorresse. Dessa forma, Deus não é o responsável direto pelas condições físicas precárias que afetam todos os processos da Natureza, que gerenciam suas próprias potencialidades.

Como se sabe, o grande doutor da Igreja, quando jovem, esteve influenciado pelo maniqueísmo ou a doutrina do filósofo árabe MANI, que admitia o Universo criado a partir de duas forças antagônicas, o Bem e o Mal, em permanente conflito. Ora, isto era completamente inadmissível como ele ouvia nas pregações de Sto. Ambrósio, cujas preleções exerceram forte influência na conversão do  jovem africano.

Por outro lado, sofrendo a influência do neoplatonismo, pôde Sto. Agostinho assimilar o processo criativo de Deus a partir de emanações, conforme às doutrinas de PLOTINO, cuja trindade conceitual eram o UNO, o NOUS e a ALMA DO MUNDO, muito parecida à doutrina cristâ do PAI, do FILHO e do ESPÍRITO SANTO.

O UNO, fonte concreta de todo o processo criativo, conserva, em relação ao judaísmo, muita semelhança com a de JAHVÉ, o Inominável. NOUS é a fonte de uma inteligência imanente e transcendente, uma Razão que oferece coerência e consistência a tudo que ocorre. Finalmente, a ALMA DO MUNDO é a vitalidade imanente a tudo que é criado. Dessa forma, cada qual atuante dentro de suas esferas próprias de influência, nos indicam que há uma espiritualidade itinerante, girando entre o ser e o dever-ser, que não se excluem, mas se integram seguindo uma necessidade cósmica.