Irrupções de espiritualidade

O ser humano pode, a partir de suas atividades conscientes, adotar duas posições diferenciadas na abordagem que diz  respeito a tudo que o cerca: uma atitude primária, bruta e direta, presa apenas ao imediato de seus sentidos exteriores, como ocorre com os céticos, que captam da realidade apenas relações físicas de causa e efeito; ou então pode assumir uma atitude subjetiva, mística e de admiração pelo milagre que cada acontecimento parece significar, o caminho natural de uma espiritualidade ínsita no Universo. Trata-se, portanto, de um problema de sensibilidade e acolhimento.

Chamamos de irrupções da espiritualidade esta abertura de nossa consciência a tudo que é divino na existência, a companhia permanente de um Alter Ego a nos seguir e vigiar. Ele se encontra muito próximo da atitude mística do BUDISMO ou do MESTRE ECKART, que compreenderam a existência como um período de provação, que pela ausência do desejo e ausência de pensamento, seria possível atingir um estado de beatitude silenciosa.

Também, tal vivência de espiritualidade está muito próxima da experiência judaica do hashem, ou a consciência direta de um lugar  espíritual, divino, a realidade de nossa própria existência. Finalmente, a irrupção da espiritualidade se torna consciente ao perceber todos os momentos críticos da existência do Universo, conforme hoje as ciências físicas e a cosmologia reconhecem, pelo caráter miraculoso das transformações que os fenômenos físicos tiveram que superar, saindo do caos para se tornar um cosmos.

E o que não dizer em relação ao ser humano, que de repente sente os influxos milagrosos de uma Presença que se impõe de forma transformadora, como aconteceu com a anunciação do anjo à Maria, ou a vitalidade espiritual de Jesus, que realizou milagres e superou a morte por sua fé? Ainda mais, a graça do Espírito está presente em toda a história do cristianismo, com o testemunho dos santos e dos piedosos, como St. Agostinho, que experimentava a Presença de Deus em seu íntimo, mais real que seu próprio ego. Tal ocorria também com São Francisco  de Assis e Sta Tereza de Ávila, entre muitos outros.

É como se fosse a percepção de algo extraordinário, o fato de gozarmos de vida e sermos testemunhas de um momento da história, conscientes de que há uma gratuidade generosa em tudo o que a nós se refere, o desejo de superar as contingências aparentemente perversas que são impostas à nossas fragilidade física e às limitações de nosso conhecimento.

É por isso que somos chamados a perceber que há um outro mundo, acessível aos nossos desejos, às aspirações de um Espírito que habita em nosso interior, facilmente reconhecível pelos apelos constantes que faz à nossa consciência, tornando-a aberta às inspirações, na percepção do relativo e superando todas as formas trágicas que parecem envolver a realidade.

As amplitudes simbólicas de nossa consciência são o testemunho mais do que evidente de que somos dotados de um poder virtual de interpretação, as miríades explicações que podem ser dadas a tudo que nos acontece ou atinge. Ficarmos abertos ao sopro benfazejo do Espírito que deseja conosco conviver é apenas o primeiro passo que precisamos dar para alçarmos um outro mundo, de libertação e confiança.