Espiritualidade humana e divina

Nós, seres humanos, produtos da evolução biológica, deveríamos nos conformar com o destino reservado a todas as espécies animais, compreendendo os limites estreitos que a Natureza nos concede, ao operacionalizar os determinismos aleatórios que lhe são inerentes. Não obstante, não é isso o que ocorre com a espécie humana, que dotada de aptidões transcendentes, compartilha com o mundo superior das ideias e valores eternos, o mundo a priori das formas abstratas.

Por outro lado, evocando perspectivas divinas, no Evangelho de São João (4, 24), a confirmação dada pelo próprio Cristo em seu diálogo com a samaritana, afirmando que ‘Deus é Espírito e como tal deve ser venerado’, nos conduz imediatamente ao despertar, pela fé, da consciência de uma familiaridade entre os espíritos divino e humano, sendo de nossa obrigação detectar os sinais visíveis ou sentidos que os testemunham, o que seria também uma forma natural de venerá-los.

E a primeira indicação de que a Natureza é um processo espiritual, basta que observemos a importância de nossas percepções na tarefa de identificá-la, sem as quais ela restaria limitada apenas à mente do Criador!  Ora, o surgimento de uma espécie animal capaz de compartilhar com o Criador desse processo de conscientização é realmente um verdadeiro privilégio.

Assim, o surgimento do fenômeno do conhecimento em nossa consciência torna a realidade refém de tudo que possamos obter com nossas pesquisas e o progresso de nossas ciências, uma circunstância que é um sinal mais do que evidente de que conhecer é desvendar os arcanos da Criação!  Dotados de criatividade, racionalidade, sentimento e liberdade, nós, seres humanos, participamos com a tarefa do Criador no esforço de aperfeiçoar as vias criativas da Natureza.

Por outro lado, o fato de que podemos ter acesso a uma infinidade de versões e enfoques  interpretativos em relação a tudo que acontece, deixa claro para nós que o Espírito é uma realidade virtual, que destrói para transformar, acrescentando a cada passo um momento inovador em Sua História.

Ora, os simbolismos de nossa imaginação não devem  nos enfeitiçar, fazendo tudo sucumbir ao nível do irreal e do suposto, pois o Criador é a garantia de sua sustentação como acontecimento e como fato. Basta apenas que nossa criatividade se abra às potencialidades de Sua Arte, reconhecendo-as como vias inovadoras do Poder Criador de Deus.

Outro indicativo de espiritualidade é a consciência de nosso EU, que apesar das transformações vitais no tempo e no espaço, permanece o mesmo, nos forçando a concluir, com Sto Agostinho, que há uma fonte divina a sustentar nossa identidade (Deus interior intimo  meo et superior summo meo…!).

Se isso não bastasse, nossa convivência precária com os valores tais como a justiça, a liberdade e o amor nos indicam ainda o quanto temos de evoluir individual e socialmente, para assim fazermos jus a tudo que ainda permanece apenas potencial na experiência de uma espiritualidade mais concreta.