Espiritualidade e religião

Não há autonomia no desenvolvimento da espiritualidade. Esta resulta seja da herança cultural (religião), seja de uma graça recebida espontaneamente.

Uma análise superficial das relações estreitas que há entre espiritualidade e religião poderá nos levar a concluir que, comumente, a prática religiosa exercida rotineiramente , por simples hábito, pode se tornar um sério obstáculo a uma autêntica espiritualidade.

É como se a religiosidade institucionalizada, pela perda de sua força carismática, não conservasse as condições históricas originais de sua eclosão e que, com o correr do tempo, ficaria resumida apenas a aspectos formais e burocráticos. A religião passaria a se caracterizar exclusivamente como crença, passiva e inerte.

Ora, assim como a espiritualidade depende, de modo semelhante, da crença, a diferença aqui se caracterizará no fato de que, através da espiritualidade, a crença haverá de se tornar viva e ativa, produzindo abundantes frutos de doação, bondade e força interior.

Isto significa dizer, portanto, que entre religião e espiritualidade existe apenas uma diferença de caráter ou grau, mas não de substância, não havendo então motivo sério para que a oposição seja colocada em termos tão radicais, como se a espiritualidade só pudesse crescer à custa da destruição das grandes religiões institucionalizadas historicamente, como o cristianismo, o judaísmo e o islamismo.

Pregar uma espiritualidade natural, descompromissada com a herança cultural dos diversos povos, parece um bom tema de firulação acadêmica, mas pouco condizente com a realidade concreta de cada um de nós, seres vincados em tradições, costumes e heranças psíquicas que possuem elevada significação para nós, seres gregários.

Dessa forma, não podemos deixar de reconhecer que as práticas religiosas tradicionais não devem ser abolidas ou desconsideradas , dadas as características culturais e psíquicas de cada um de nós, que alimentamos nossas convicções principalmente através do hábito e do exemplo de nossos ancestrais, do culto e da participação viva nos rituais religiosos.

Vislumbra-se diante de nós a perspectiva de uma sociedade composta de cidadãos que, mesmo longe da religião, seriam educados com a convicção segura de implementar valores sagrados, como respeito à vida, à honestidade e à retidão nas ações. Puro engodo, sonho falacioso de humanistas “descompromissados”.

Porque isto não condiz com a nossa realidade antropológica, basta contemplar o grave quadro de desintegração que ocorre hoje com a família, a prática dos valores habituais de compostura e honestidade, responsabilidade e compromisso social.

Fica-nos, portanto, a grave advertência de que é impossível ao ser humano, mesmo quando estimulado pelas atuais condições de progresso e autonomia, superar o perfil milenar de sua formação histórica e antropológica. E estas demandam a necessidade permanente de manter certos compromissos e uma intensa vida voltada à religião, como condição essencial para assegurar nossa felicidade pessoal e nossa tranqüilidade interior.