Diferenças entre razão e símbolos

Em nossas atividades corriqueiras, não nos damos ao trabalho de estabelecer as diferenças entre nossos raciocínios e nossos símbolos. Não obstante, há uma diferença de natureza tão grande entre eles que vale a pena distingui-los. Sendo ambos produtos de nossa capacidade mental, verificamos que enquanto a razão opera em nível demonstrativo, nossos símbolos operam em nível heurístico, isto é, de criatividade virtual.

O mundo da razão é aquele das matemáticas e da lógica, das ciências demonstrativas, que provam as coisas pela experimentação. Sua pretensão é de algum dia poder explicar todos os fenômenos que nos cercam, não deixando nenhuma dúvida quanto a sua consistência causal.

Ora, seus pressupostos são aqueles de que há, entre nosso conhecimento e os objetos que nos rodeiam, uma sintonia fina que nos garantiria a verossimilhança de tudo o que afirmamos, pois o mundo de nossa observação natural nos parece coerente e refletindo com segurança aquilo que nossas idéias comprovam. Tudo dependeria apenas da precisão das pesquisas.

Assim, tudo estava indo muito bem sob o prisma de nossas observações na perspectiva da física newtoniana, aquela do tempo e do espaço absolutos, da autonomia de nossa razão diante do mundo dos objetos. Em pouco tempo, tudo poderia ser explicado, não restando nenhum mistério mais para confundir nossa mente.

Contudo, com o avançar dos conhecimentos científicos, ficaram os cientistas alarmados com a complexidade que envolve o mundo das pequenas partículas que formam a matéria, cujas leis clássicas newtonianas já não mais serviam para explicá-las. Surgia assim a necessidade de investigar novas formas, além da racionalidade tradicional, que pudesse dar conta de tanta complexidade!

Foi assim que ruiu o panorama de nossa racionalidade objetiva, cedendo lugar a um mundo de probabilidades, incertezas, virtualidades quânticas, tornando o Universo criado um feito altamente improvável, fruto de um verdadeiro milagre, na expressão mais literal da palavra.

Nosso conhecimento do mundo passa a ser, doravante, um conjunto de saberes simbólicos, montados heuristicamente com o propósito de dar explicações plausíveis para fenômenos aos quais não temos como acessá-los e muito menos controlá-los. Estamos, portanto, diante de uma nova descoberta, aquela de nossa capacidade de criar estruturas virtuais e funcionais, que são produtos, não de nossa mente comum, mas criações de nossa mente supra-consciente.

É assim que nossos símbolos não são ‘coisas’, mas estruturas funcionais de caráter sui generis, aquelas das sínteses relacionais. Contudo, tenhamos cautela, pois tais símbolos se aderem de tal forma à nossa personalidade, que nos tornam, sem nos darmos conta, produtos daquilo que imaginamos, um verdadeiro carma a condicionar nossas reações. Não por acaso, isto ocorre em virtude da natureza virtual que comanda todo o processo de nossa concepção da realidade, gerada a partir de nossa subjetividade.

Mesmo conservando alguns sinais de racionalidade, nossos símbolos a ultrapassam de muito, pelas próprias deficiências de nossas razões explicativas. Ora, isto nos leva a concluir que nossa lucidez mental não pode se resumir apenas em explicar a realidade, mas, sobretudo, em compreendê-la. Esta compreensão pode ser coerente ou incoerente, real ou mitológica, conservadora ou utópica, etc.

Daí a variedade de nossos símbolos, o que nos permite distingui-los em símbolos formais, também chamados signos, ou operadores hermenêuticos abstratos, como nossas palavras, números, logotipos, etc. Há também os simbolismos presentes em nossos rituais civis ou religiosos, como nas cerimônias, liturgias, etc. Temos também os símbolos éticos, caracterizando os valores, aqueles que guiam nossas ações, moldando-as em sua compostura moral. Também há os símbolos imagéticos ou utópicos, os relacionados aos ideais de transformação individual ou social, como os referentes à democracia, justiça, igualdade, etc. Por fim, há também os símbolos relacionados à estética, que nos permitem contemplar a beleza das formas que transparecem em todas as coisas.

Cultivar em nós a capacidade heurística dos símbolos significa transpormos os limites materiais da realidade, enriquecendo-a com os horizontes virtuais de nossa imaginação, o reflexo mais puro de nossa espiritualidade: virtual, criativa, transracional e, porque não dizer, libertária.