Deus: uma invenção?

RENÉ GIRARD, pensador católico francês (1923-2015), indagado sobre a realidade de Deus como uma invenção humana, prontamente respondeu pela negativa, com base em sua crença cristã e em sua epistemologia mimética. Não obstante, o que esta teoria do conhecimento quer dizer? Ora, justamente o fato de que tudo o que o ser humano compreende, é, no final, apenas uma abstração, tendo  por base, porém, suas condições primárias de embasamento.

Dessa forma, as invenções humanas sofrem sempre um limite, aquele dos condicionamentos de suas afirmações, que resultam sempre atreladas à natureza das coisas, não impedindo, contudo, que nossa imaginação a ultrapasse, construindo os mitos e as utopias. Assim, nossa criatividade mental sempre estaria condicionada a um mimetismo gnosiológico criativo, fornecendo então um índice de veracidade razoável para as  nossas afirmações culturais.

Ora, aplicadas estas condições ao conceito de Deus, RENÉ GIRARD  pôde sustentar sua negativa à questão tão crucial, lugar comum das argumentações de todos aqueles ateus por convicção ou movidos pelo desejo de que Deus não exista. Sem dúvida, há argumentos fortes de natureza antropológica que nos asseguram a existência de um animismo primitivo já nas primeiras gerações humanas, que nos permitam afirmar uma universalidade de reações aos fenômenos como induzidos por uma ou mais divindades, o que a ciência posteriormente deu explicações naturais, não retirando, contudo, seu caráter inusitado como condicionante de uma realidade cósmica sui generis.

O conceito de Deus seria, pois, um pressuposto natural acessível à nossa inteligência, como argumentaram Platão, Aristóteles, Santo Anselmo, Santo Tomás de Aquino, Spinoza, Descartes e Leibniz, bastando apenas nosso assentimento a uma situação única, esta de uma causa transcendente a tudo o que existe.  Não obstante, verifica-se que a tendência moderna é minimizar este afastamento, entendendo melhor que Deus é imanente ao Universo, causa sui dos milagres que observamos a nossa volta e que não são desprezíveis.

Outro problema interessante abordado por RENÉ GIRARD é o do surgimento histórico do sagrado, que para ele está sempre relacionado à violência, como forma de redimir a condição humana precária, única forma encontrada de superar a transgressão do viver (sic). Terá sempre que existir um bode expiatório para resgatar a condição humana, um sacrifício telúrico que impeça a sociedade de se destruir, permitindo assim a existência ordenada da sociedade.

Desde o Antigo Testamento são comuns as manifestações de assassinatos cometidos com a intenção de pacificar os deuses insatisfeitos ou como formas de demonstração de fidelidade, como ocorreu no  caso célebre de Abraão e seu filho Isack ou nos casos históricos de civilizações baseadas apenas nessas crenças, como os Incas e tantas outras.

Finalmente, não há que desprezar o argumento antropomórfico, o fato de que a evolução culminou até agora com a nossa presença viva no Universo, nossa espiritualidade e nossos valores. Ora, tal arrumação é muito original para ser considerada apenas como um acaso, ressaltando a necessidade de um Guia que pudesse fazer o caos da matéria se transformar em cosmo organizado. Deus não é, portanto, uma hipótese inventada.