As razões como princípios dogmáticos

As razões-matemáticas constituem um patamar de evidências incontestáveis, que todos aceitam sem discussão. Contudo, seus limites são aqueles da indagação referente ao porquê de nossa razão ser refém à autonomia dos números, ao ponto de chegarmos à conclusão de que Deus seria matemático? (Cfr. LIVIO, Mário. Deus é matemático? Rj, Ed Record, 2009).

Devemos a THOMAS KHUN (1922/1996) a conclusão básica de que o pensamento humano sempre tem como ponto de partida, na formulação de suas teorias, a presença de verdades admitidas sem causa ou explicação aparente, constituindo um pressuposto dogmático que é como que um princípio de crença (A Função do Dogma na Investigação Científica. Curitiba, UFPR, SCHLA, 2012;www.culturaespiritual.com.br). Tal ocorreu com as teorias de Einstein, Freud, Newton ou Kepler, entre outros.

Dessa forma, a razão humana nos parece condicionada, ao manifestar os limites de suas possibilidades, permitindo weltanschauungen(visões de mundo, cosmovisões) que oscilam de forma contraditória, ora afirmando, ora negando certas concepções radicais sobre a realidade, à maneira de alternativas excludentes. Assim, por exemplo, em relação ao caráter espontâneo ou ‘fabricado’ do Universo, torna-se possível adotarmos duas atitudes antagônicas, ora de aceitação natural, ora de espanto e admiração pelo milagre que envolve o surgimento de tudo.

Ora, isto pode ser explicável pela origem dúplice de nosso ser, que é formado por duas estruturas, completamente diferentes: um corpo físico, material, sujeito aos determinismos aleatórios, contendo outra origem, nosso lado racional, inteligente, abstrato, cujas ideias não ocupam  lugar no espaço ou no tempo, sendo pura manifestação de algo espiritual.

Foi assim que a humanidade se dividiu entre, por um lado, povos cuja cultura pode ser considerada apenas ‘materialista’ (como ocorreu com o Ocidente) e povos ditos ‘espiritualistas’ (no Oriente), que não perderam o sentido mágico de tudo o que ocorre. Assim, verificamos uma luta atual de povos que desejam evoluir por via social e política, em conflito com povos estagnados pela sua cultura, desejosos apenas em preservar seus costumes.

Não obstante, esforços têm sido feitos atualmente no sentido de aproximar estas duas culturas. É assim que, por um lado, podemos verificar atualmente que o Ocidente está cada vez mais consciente das limitações de seu ‘materialismo’, abrindo-se por consequência ao espiritualismo oriental, numa tentativa de assimilar as verdades milenares que demonstram, a cada momento, o caráter milagroso da realidade criada.

Para tanto, basta citarmos a visão psicanalítica de CARL JUNG (1875/1961), discípulo dissidente de FREUD, que, em toda sua obra, faz uma opção declarada pelas perspectivas infinitas de nossa psíquê, que possui uma inclinação natural para abrir-se ao mistério e ao sagrado (cfr. DUNNE, Claire. CARL JUNG. SP, Ed Alaúde, 2012).

Fica assim, claramente perceptível, que nossas capacidades racionais, desde suas origens, se nos apresentam condicionadas por dependências transcendentais, o que demonstra suas origens de uma outra natureza, não apenas evolutiva.