As ilações performativas

Como simples conjecturas, as ilações performativas são as que resultam da capacidade arquitetônica que possui o nosso espírito, ao formar para si um quadro unificado e coerente da complexa e diversificada rede de fenômenos que nos cercam.

Tal circunstância resulta espontânea, em função do acréscimo que constitui a presença do Espírito diante dos fenômenos naturais, que aparentemente não denotam suficiente coerência diante das exigências racionais, criativas, valorativas e aleatórias que fazem do Espírito o modelador privilegiado de toda a realidade.

Como raciocínios imprecisos, as ilações performativas fazem uso de diversos recursos, como argumentos dialéticos (Aristóteles), intuições não demonstráveis (Bergson), convicções de fé (S.Paulo), analogias, parábolas ou as hipérboles retóricas, poéticas etc.

Como mundo do possível e do virtual, podemos dizer que este é o mundo verdadeiramente humano, já que as conclusões das ciências são para nós demasiado decepcionantes, demasiado indiferentes aos nossos anseios. Pois, sem dúvida, nossa felicidade não se encontra nas contingências férreas dos determinismos naturais, mas se estrutura apenas através do artificial, do onírico e do simbólico.

Dessa forma, como exemplo de ilação performativa temos a idéia da unidade do Universo (a palavra indica unidade na diversidade!). Não obstante, até o presente momento, todas as evidências parecem contrariar esta hipótese (cfr. Stephen Hawking, O Universo Numa Casca de Noz. SP Editora Mandarim, 2001, p.80). Contudo, ninguém duvida que tal Teoria Unificada esteja muito próxima de ser alcançada.

Outra ilação performativa importante é a idéia de alma imortal. Resultado do conjunto de nossas manifestações psíquicas, a desejamos una e perene. Porém, mais matéria de crença do que de demonstração, nada me impede de concluir que minha alma é tão imortal quanto os ideais que a performam, o bem que ela consegue realizar. A imortalidade da alma passa assim a ser apenas uma conquista, uma graça.

Contudo, isto não impede que possamos imaginar a sua imortalidade como uma transformação, idéia-síntese de que se tudo evolui, a alma certamente vivenciará novas experiências…

Dessa forma, somos compelidos a substituir a contradição performativa da imortalidade estática pela do eterno-presente ou o momento inefável de vivência de cada experiência, onde tudo se dá aqui e agora, desde sempre e por toda a “eternidade”.

Ora, isto nos traz à mente as idéias a respeito da natureza do tempo, esta outra notável ilação performativa. Fruto do labor de nosso espírito, o tempo parece ser indiferente às coisas em sua transformação dinâmica, mas, por outro lado, não deixa de ser marcante o fato de que possamos captar um sentido no processo geral da evolução dos acontecimentos .

Isto não é nada mais do que uma demonstração eloqüente de como o Espírito faz parte intrínseca da realidade global de todas as coisas, o que acaba por fazer das inúmeras ilações performativas um mundo de considerações reais, não ilusórias, ficando assim assegurada a sua consistência própria, como complemento e parte essencial de todas as nossas elucubrações metafísicas.

Dentro do pensamento conjectural, é importante a distinção entre probabilidade e verossimilhança, como procura fazer o Prof Miguel Reale (cfr. Verdade e conjetura. Rio, Ed Nova Fronteira, 1983, p.24). Como nós pudemos constatar neste artigo, as ilações performativas não estão na categoria das probabilidades, mas sim na de verossimilhança, por se constituírem a partir das condições concretas que performam a realidade.

Assim, a idéia de Deus se configura como o máximo esforço de nosso espírito para conceber uma origem privilegiada de todas as coisas, a partir das condições reais que o próprio Universo se nos oferece. Tal hipótese não é gratuita, mas se sustenta como ilação performativa necessária para dar uma resposta cabal a todos as nossas dúvidas.