As dimensões perspectivas do Eu

O eu, consciência de si, vivência e conhecimento, realidade anátomo-fisiológica de corpo e reações psíquicas, não pode ter, pela análise da ciência, uma resposta supostamente simples, em virtude de que aquilo que o constitui, não se enquadra num só paradigma, seja ele físico, social ou puramente psicológico.

Dessa forma, podemos constatar que o primeiro aspecto relevante da natureza do eu é a sua suposta autonomia, ou seja, a sua independência corporal ou psíquica. As respostas respectivas que forem dadas a qualquer desses dois aspectos vão distinguir consolidadas correntes de interpretação, fazendo do eu, ora dependente exclusivamente de seus condicionamentos corporais (biologia, neurologia, behaviorismo, desenvolvidos por Locke, Watson, Skinner), ou, então, dependente sobretudo de sua subjetividade, como pensaram Freud, Jung, Piaget, Buda etc).

Na continuidade, outro aspecto relevante do eu é a sua dependência a valores coletivos (a família, a cultura, a religião) que, moldando a personalidade, fazem surgir no eu estereótipos sociais de grande poder significativo. Com isto, fica claro que o eu pode tornar-se ou inteiramente dependente da influência social que o condiciona (como pensaram A. Comte, Marx, Lévi-Strauss, T. Parsons etc); outros, no entanto, acham que esta dependência não destrói completamente a subjetividade, gozando ainda o ser humano do poder de interiorizar a cultura, moldando-a segundo a sua liberdade (T.Khun, Dilthey, M.Weber, Gadamer, Habermas).

As conseqüências imediatas dessas constatações nos indicam que a integralidade do eu estará dependente, portanto, não apenas de uma só dimensão, mas sim, também, de que nosso eu é sobretudo um suposto de natureza dinâmica e simbólica, produto do intercâmbio possível que se estabelece entre reações fisiológicas, autonomia subjetiva, influências culturais e condicionamentos sociais, demandando uma autopoiese hermenêutica, da qual resultarão as características críticas de nossa personalidade : obsessão pela sobrevivência, superestimação da violência, simulação, exageros comportamentais, indiferença.

Vamos denominar esta estrutura complexa as quatro dimensões da realidade do Eu, conforme especificamos abaixo:

1) dimensão corporal do eu, produto de sua exterioridade física, esta obtida do intercâmbio permanente de nosso eu com o meio ambiente, através dos sentidos.

2) dimensão subjetiva do eu, ou seja, consciência e vivência interior, fruto da introspecção, refúgio do eu em sua substancialidade mais profunda.

3) dimensão social do eu, resultado de sua integração com as exigências coletivas, gerando comportamentos gregários.

4) dimensão cultural do eu, fruto da vivência compreensiva do eu no mundo da cultura, fazendo surgir valores reconhecidos, ideais políticos e práticas religiosas.

Através de um processo crítico, importa reconhecer que a realidade do eu oscila permeio a essas dimensões diferenciadas, mas que se complementam. Ora, com isso, torna-se claro que a realidade substancial do eu (self) é sobretudo simbólica, um halo refratário de nossa presença no mundo da vida, que não deveria merecer qualquer outra preocupação, senão aquela de superar os atavismos inerentes às nossas condições…