Acelerador de partículas ou Determinismo e acaso

Segundo EINSTEIN, DEUS não joga dados, refletindo a idéia de que no Universo vigoram as leis absolutas do determinismo, apesar de que, já na sua época, acirravam-se as discussões sobre o caráter probabilístico do micro e do macrocosmo. Para ele, não obstante, tais incertezas seriam provisórias, fruto de nosso desconhecimento ou imprecisão matemática.

No entanto, as pesquisas estavam a sugerir, de forma cada vez mais clara, que o universo atômico se regulava por circunstâncias apenas prováveis, conseqüência, entre outras coisas, da dicotomia onda/partícula, que só permitia a observação alternada, ora como onda, ora como partícula (HEISENBERG). Como observou NIELS BHOR, ‘os elétrons não são ondas nem partículas. Poderíamos chamá-los de ondículas, porquanto sua verdadeira natureza envolve simultaneamente as duas coisas’.

Ora, isto aconteceu na primeira metade do século XX. Agora, com o progresso dos conhecimentos, estão os cientistas confirmando a complexidade de um universo micro-cósmico ainda desconhecido, cujas leis determinísticas cada vez mais se afirmam. A recente inauguração do acelerador de partículas LHC (Grande Colisor de Hádrons), na fronteira entre a França e a Suíça, confirma esta suposição, quando os cientistas se apresentam preocupados com a comprovação da existência real da partícula Higgs, indutora de forças intra-atômicas que se transformam em massa e que se apresenta até agora apenas pressuposta pelos cálculos.

Se ela for encontrada, é sinal de que os cálculos estavam corretos; se ela não aparecer, é sinal de que novas hipóteses terão de ser formuladas. De tudo isso resulta que o Universo é um espetacular palco de fenômenos, dentro do qual nossa inteligência pressupõe uma lógica intrínseca à sua própria estrutura. Fica para nós o convencimento de que o acaso, se existe, é produto de duas circunstâncias: nosso desconhecimento ou, ao contrário, a confluência de diversas causas (o que também é desconhecimento). Pois, quanto mais o ser humano, pela pesquisa, vai descobrindo novos condicionamentos, mais se sente preso a uma lógica rigorosa de princípios, que se impõem, desde o começo, em nossas constatações mais corriqueiras.

Uma outra questão diz respeito ao porquê o Universo é dessa forma e não de outra maneira. A única resposta possível é que, se ele não fosse dessa maneira, nem eu estaria agora escrevendo sobre ele, o que evidentemente pressupõe um modelo prévio que o sustenta, dentro de uma aleatoriedade apenas aparente.

Ora, tudo isto vem na certa confirmar a importância de nossos pressupostos de percepção da realidade, que sempre será para nós um diálogo infindável entre matéria e espírito, combinados que estão pelos efeitos quânticos que a própria realidade oferece. Tal idealismo dialético é o reconhecimento primário de que matéria e forma se co-implicam, possibilitando assim nossa capacidade de entendê-los (ARISTÓTELES).

Estamos aqui diante do que os teóricos do conhecimento denominam “paradoxo da auto-referência”, ou seja, a impossibilidade de transcender os limites impostos pelas próprias condições de apreciação de um fenômeno, ou, em outras palavras, a reafirmação do caráter transcendental de qualquer saber, que impõe nossa consciência racional como limite formador do perfil de qualquer conhecimento (Kant).

Ora, se a realidade necessita da inteligência para se expressar, resulta claro que aquela adquirirá alguns aspectos fundamentais, correlatos à sua natureza peculiar:

1º) a realidade é, para nós, aquilo que conseguimos perceber, consciente ou inconscientemente (esse est percipi, BERKELEY).

2º) a realidade apresenta necessidade em sua lógica, mas é contingente (pelo acaso) em sua materialidade.

3º) o acaso não é senão uma outra face da necessidade, implicando uma diretriz a guiá-lo.

Comentando: quanto ao primeiro aspecto, podemos verificar pela psicologia que a consciência vai muito além do mero perceber objetivo, pois há também percepções inconscientes, como intuições, estímulos ou sensações reativas (FREUD).

Quanto ao segundo aspecto, resulta claro um antagonismo entre natureza e espírito, este perseguindo uma lógica e aquela, as forças aleatórias que parecem conduzir a evolução material do Universo.

Quanto ao terceiro aspecto, importa ressaltar que, para a ciência, a formação do Universo constitui um verdadeiro milagre, cujas forças do acaso não fazem senão bancar o jogo da necessidade (sic).