A trindade virtual do amor

Os cientistas observam, desde o mundo infra-atômico, que há, na Natureza, duas forças básicas, uma de atração e outra de repulsão orientando a dinâmica da criação e destruição de tudo. Na verdade, é graças ao equilíbrio tenso entre essas forças oponentes que se mantém a harmonia aparente de todo o orbe astronômico, como nos demonstraram EINSTEIN e como já haviam notado, muitos séculos antes, os filósofos gregos PARMÊNIDES e ANAXÁGORAS.

Por outro lado, a sabedoria milenar chinesa entende essas duas forças sob as formas yang e yin como princípios respectivos de dispersão e integração, de cuja convivência harmônica depende a integração do Tao, o Todo. Ora, isto está refletido em nosso corpo, que vive constantemente o embate dessas duas tendências, ora de concentração e poder (animus), ora de afeto e desprendimento (anima), segundo preponderem em nossa sensibilidade o masculino ou o feminino.

Dessa forma, dentro da perspectiva espiritual humana, chamamos de amor às forças de atração entre as pessoas, assim como chamamos de ódio às forças de repulsão, que convivem em nossa consciência de maneira harmônica ou conflitual, dependendo dos ímpetos psicológicos que nos movem e da autonomia do eu para orientá-los, o que implica saúde física e boa formação ética.

Na continuidade, supridos estes requisitos referenciais, passemos a considerar o que significa o amor para o ser humano normal, que traz em si o perfil de uma pessoa sã e que deseja obter de suas forças de atração, a realização, mais humana quanto possível, dos seus ideais de felicidade. Ora, isto só se tornará possível se forem levadas em consideração as três dimensões virtuais básicas implicadas no processo amoroso: o desprender-se, o sentir intenso e o envolver-se em total doação.

Em primeiro lugar, o amor, para ser verdadeiro, tem que ser desprendido. Ora, isto implica afastar a limine, toda forma de egoísmo e ciúme, toda forma de domínio obsessivo. Porém, só isto não basta, pois haverá de estar também implicada nesse amor uma tolerância infinita quanto aos ‘defeitos’ da pessoa amada, aliando paciência e compreensão para além do racional, como faz Deus na expectação de nossas carências, indo ao extremo do sempre perdoar. Ora, isto significa superar cotidianamente o desgaste causado pela rotina e a convivência diuturna.

O segundo requisito para a autenticidade do amor refere-se ao sentimento, algo que vem completar o desprendimento. Isto quer dizer olhar a pessoa amada com carinho e afeição, de forma a tê-la em conta como escolhida por um propósito superior, uma companhia de convivência em amizade e participação, de forma a superar todas as limitações que possam comprometer a sacralidade do sentimento divino do amor. Isto significa amar com o coração, que supera e perdoa todos os defeitos, como nos deu exemplos paradigmáticos o próprio Cristo, o verdadeiro mestre da caridade e do amor.

Por último, importa que o amor verdadeiro esteja sempre implicado com o envolvimento, ou seja, o laço de união entre o desprender-se e o sentir, de forma a manter viva a chama do amor recíproco, sem o qual a relação do amor por certo que definhará. Envolver-se quer dizer estar sempre atento às necessidades vitais do ser amado, mantendo a constância de quem ama não apenas momentaneamente, mas para sempre, sem nunca cessar.

Dessa forma, o amor verdadeiro se constitui como um modelo paradigmático de superação de qualquer forma de dualismo, por ser uma fusão quase mística entre dois seres, que com seu amor recíproco, são exemplos vivos da unidade que permeia todas as aparentes contradições, sejam aquelas entre a natureza e a cultura, seja entre as pessoas vivendo em sociedade.