A precedência entre os fins

Os seres humanos, ao efetuarem suas ações, promovem um objetivo como o principal, aquele através do qual pretendem alcançar uma meta.  Não obstante, na maioria das vezes, das ações humanas resultam outros objetivos, desejáveis ou não que, como metas subsidiárias, alteram inúmeras situações. Não há, portanto que confundi-los ou colocá-los no mesmo nível de importância, sob pena de alterar a ordem legítima dos fatos.

Como se sabe, o Direito oscila entre ciência, filosofia e ideologia, ao sabor dos momentos históricos ou da preferência de cada jurista, o que ressalta a fraqueza de sua consistência. KELSEN é um cientista do direito, MIGUEL REALE é um filósofo do direito, MARX é um ideólogo do direito, o que expressa a variedade de suas opções doutrinárias.

Um exemplo recente e de grande significado  ideológico, foi  a nomeação, pela Presidente da República,  de Luiz Inácio Lula da Silva como chefe da Casa Civil, mesmo estando envolvido em situações anômalas de corrupção, sem ainda estar sub-judice. O ato deu início a uma série de processos questionando a ilegalidade da nomeação, provocando a instância final do STF para legitimar ou não o procedimento da Presidente.

O ministro Gilmar Mendes, em ilustrado parecer, ao negar a legitimidade do ato da Presidente, colocou como impedimento principal da nomeação o envolvimento preliminar do ex-presidente em situações de inúmeros atos irregulares de atuação,  anulando, portanto, o ato da presidente Dilma Roussef.

Ora, datíssima vênia, parece que o ministro Gilmar Mendes não fez a adequada separação da hierarquia presente no ato da Presidente, que tem como objetivo principal a ocupação do cargo na Casa Civil, o que ele mesmo reconhece como prerrogativa da Presidente. Não obstante, negou o provimento, pelos supostos envolvimentos de Lula em atos de corrupção.

Dessa forma, nos parece que o Parecer do ministro cometeu um ato de capitis diminutio contra a Presidente, ao negar  seu poder intransferível de nomeação, por livre escolha. A possível  blindagem do ex-presidente ao se livrar do juiz Sérgio Moro é, pois, motivo posterior, que não pode ser confundido com a prerrogativa do primeiro, o ato de nomeação.

Confirma-se aqui, pois, um dos calvários do Direito, o fato de que, ultima ratio,  as decisões jurídicas constituem apenas atos de vontade, como já afirmara HANS KELSEN, em seus esforços de racionalização do direito. Com isso, o perigo da ideologização do direito se manifesta, o que impõe distorções inexoráveis em sua legitimação.