A mística na rotulagem do saber

O uso popular da palavra rótulo  acaba por enfraquecer o que este realmente pode significar em termos de originalidade na construção do saber.  Assim, rotular algo, na linguagem comum, é muitas vezes, revesti-lo de um significado pejorativo, geralmente implicando preconceitos e estereótipos apressados, que acabam apenas por comprometer o seu verdadeiro significado. Como exemplo, rotulamos toda a classe política como desonesta, o que não deixa de ser um grave sofisma, que confunde a parte com o todo; assim também, ao rotular Deus como juiz, enfatizamos apenas Seu Lado Autoritário, etc.

Por outro lado, a palavra rótulo refere-se à caracterização de um produto comercial, de modo a tornar original sua apresentação, atraindo com isso a simpatia dos consumidores. Nos aspectos gerais, criar rótulos para os produtos não deixa de revelar exteriormente a natureza peculiar dos rótulos, como expressão artística de um desenhista que procurou captar formas e cores em processo de integração semiótica.

Dessa forma, a polissemia da palavra rótulo leva-nos a refletir sobre as circunstâncias através das quais obtemos nossos conhecimentos, como complementar a um formalismo abstrato tipo  platônico (a priori) ou a um concretismo hilemórfico de Aristóteles (a posteriori), aparentemente irreconciliáveis, mas ambos insuficientes para abarcar a condição performativa de nossos processos cognitivos. Assim, a ideia de rótulo para explicar a origem e as formas pelas quais obtemos nossos diferentes saberes, tem tudo a ver com as potencialidades de nosso espírito, que envolve criatividade, racionalidade, sentimento e liberdade.

Assim, pela criatividade, somos capazes de perceber e realçar os principais detalhes de nossos sentidos, necessários para a compreensão adequada de nossas percepções. Ora, isto se constitui no contexto relacional dos objetos, formando uma arquitetura de imagens, nunca repetida em seus detalhes. Beirando a arte, qualquer percepção intelectiva é a composição de um rótulo que expressa a harmonia dos detalhes.

Da mesma forma, através da racionalidade, a rotulagem de nosso saber se expressa de forma semiótica, destacando ou separando aspectos, tornando assim coerentes nossas percepções da realidade. Coordenar detalhes é um requisito que envolve sutilezas mentais, bem próximas de uma percepção quântica, como nós podemos perceber.

O processo de assepsia na rotulagem do conhecimento envolve também uma dose de sentimento, pelas repercussões emotivas que experimentamos, transformando nossas formas rotineiras de percepção da realidade, tornando-as mais conscientes do milagre que significa a interação de nosso espírito com as coisas, uma verdadeira perspectiva mística de alegria e estupefação.

Assim, a concepção de nossos conhecimentos através de rótulos é apenas o esforço que fazemos para procurar entender os mecanismos sutis que se encontram envolvidos em nossa psicologia, fato que tem repercussões concretas para que possamos superar os reducionismos materialistas, tão a gosto de pseudos cientistas.

Em conclusão, realçar as características espirituais na aquisição de nossos conhecimentos está bem de acordo com as novas afirmações da física quântica, que não consegue entender o movimento das micropartículas da matéria sem a participação de quem está operando, ou seja, qualquer conhecimento da realidade fica condicionado às interferências que nós mesmos provocamos nos fenômenos observados.