A matéria da matéria

Perguntar pela natureza da matéria significa abordar um tema ao mesmo tempo muito próximo de nós (todos somos formados de matéria), mas também de elevado cunho científico (pois este é um problema de grande complexidade, por envolver a totalidade da natureza do Universo). Por causa disto, tanto filósofos como cientistas ou mesmo místicos sentem-se autorizados a tecer comentários sobre o assunto.

Como se vê, as respostas ao nosso problema comportam uma abordagem a partir de nossos sentidos, de nosso conhecimento racional, mas também incluem uma forte dose de imaginação e simbolismo místico.

1) Da perspectiva dos sentidos : a matéria parece se constituir no estofo básico da realidade. Segundo Thales de Mileto (séc VI a C), a substância fundamental de todas as coisas é a água; para Heráclito era o fogo; para Empédocles são quatro os elementos formadores do Universo : terra, água, ar e fogo; para Demócrito, todas as substâncias são formadas de “átomos”. Não obstante, comprovando a suspeita de que os nossos sentidos quase sempre nos enganam (Descartes), podemos hoje afirmar com toda certeza que todas essas conclusões são integralmente falsas.

2) A partir da perspectiva das ciências : Como todos sabemos,as pesquisas científicas revolucionaram nosso conhecimento da realidade e se centraram especialmente no estudo da matéria, do tempo e do espaço. Assim, para Descartes, Laplace e Newton tais realidades são objetivas, absolutas e imutáveis. Há no Universo uma previsibilidade de todos os acontecimentos.

Porém, com o aprofundamento das pesquisas em torno da natureza da energia (luz), descortinou-se o problema de se saber se esta é onda ou partícula, ao que se seguiu o surgimento do princípio da indeterminação (Werner Heisenberg), segundo o qual, pelos limites naturais de nossa observação e de nossos aparelhos, torna-se impossível afirmar alguma certeza absoluta (seria isto uma comprovação do criticismo kantiano?).

Por sua vez, a teoria dos quanta (Max Planck) veio aprofundar ainda mais os mistérios que cercam o microcosmo, levando os cientistas ao esforço até agora não realizado de compatibilizar as teorias atômicas com a teoria da relatividade (Einstein, macrocosmo).

O desafio que se coloca hoje para os cientistas são os esforços para criar uma Teoria do Tudo, dentro da qual se pudessem compatibilizar as diferentes conclusões já comprovadas pelos diversos pesquisadores (cf HAWKING, Stephen. O Universo numa casca de Noz. SP,Ed Mandarim,2001,p.80).

Em conclusão, num Universo que se apresenta possuindo de nove a onze dimensões diferentes, a compatibilização desse conhecimento fica parecendo mais uma composição musical em que os instrumentos são cordas de vibração energética (cf GREENE,Brian. O Universo (Elegante.SP,Ed Companhia das Letras,2001).

3) A partir da perspectiva do misticismo : O interessante a destacar é o fato de que, no limite das pesquisas procedidas pelos cientistas, a sua linguagem possui a mesma consistência das percepções de poetas e místicos, que, desde milênios, procuram captar a natureza sui generis da realidade. Assim, para eles, a realidade última da matéria não é material, mas espiritual. Muito mais pensamento do que máquina (Eddington), o Universo mais se parece a uma melodia, composta por uma coerência paradoxal e miraculosa, no qual a nossa presença parece ser muito mais de testemunhas do que de atores (sic):

“A via de duas mãos entre as pessoas e coisas e a energia subjacente ao oceano cósmico muda tudo que conhecemos sobre nós mesmos e o mundo em torno de nós. Nós todos somos parceiros na dança cósmica constante e infinita. Ela in-forma nossos corpos e informa nossas mentes. Nós podemos e devemos ficar conscientes dela e permitir que ela reforce nossas sensações de unicidade com a natureza e de solidariedade com nossos companheiros humanos.” (LASZLO, E.Conexão cósmica.Petrópolis, Ed Vozes, 1999, p.201).