A complementação quântica da realidade

No espírito da philosophia perennis, Deus ocupa o lugar de conciliador dos contrários, uma coincidentia oppositorum, no dizer do Cardeal Nicolau de Cusa. Não obstante, outros pensadores de renome já haviam tratado do tema, bastando citar Heráclito, Sto Agostinho, São Tomás de Aquino, Leibniz, entre outros.

Ora, a descoberta recente dos físicos de que a realidade final dos átomos consiste na sua compartimentação ora como partícula, ora como onda, em processo complexo de alternância, nos coloca diante da obrigação inelutável de reconhecer que existe um Princípio, uma Inteligência Organizadora, só ela capaz de tirar o Universo do caos, como pensou Niels Bohr, físico dinamarquês contemporâneo de Einstein.

Torna-se necessário, então, superarmos as formas tradicionais de considerar as oposições entre as coisas, como a duração e a eternidade, a vida e a morte, o espaço e o tempo, que se tornam agora momentos passageiros de uma realidade que nos transcende, por não estarem em nossas mãos as suas causas, e porque todos somos o resultado de um processo criativo que nos transcende.

É assim que passamos a compreender a dicotomia matéria/espírito, aquela partícula, este onda, em relacionamento aparentemente conflituoso, mas oscilando continuamente em destruição e surgimento, sucessão e duração, essência e existência, concreto e abstrato, corpo e pensamento, dicotomias estas que só podem ser superadas na aparência virtual de tudo o que acontece, sem permanência ou consistência fixa. Então, tudo passa a ser provisório, só existindo como manifestações virtuais e milagrosas!

Na continuidade, no que tange à diferença corporal e psíquica entre homens e mulheres, não é descabido assimilar o homem à uma partícula, enquanto a mulher seria como uma onda: aquele premido pelas contingências materiais, esta condicionada por suas oscilações psíquicas, consolidando uma dicotomia entre o objetivo e o subjetivo, o indiferente e o emocional, o sensível e o insensível, o geral e o exclusivo (Yin e Yang no pensamento indu).

Em conclusão, a física moderna, como metafísica, coloca Deus dentro do processo cósmico que torna possível a criação, sem precisar cair nas armadilhas do panteísmo (que atraiu por muito tempo o pensamento de Einstein), pois que este tornaria inúteis as probabilidades e os acasos milagrosos da criação.

Para os crentes, não há nada a temer com relação aos conteúdos de sua fé, que continuam a ocupar seus espaços próprios, ao reconhecer a ideia milenar da existência de um Deus Abscôndito que, no entanto, se manifesta continuamente na eclosão do milagre da evolução material e da vida em particular.

Saibamos, portanto, compreender os aspectos complementares das aparentes oposições, agora corroboradas pelas constatações da física nuclear, que não permanece no caos, pela Presença de um Atrator, uma Causa sem Causa (Aristóteles), Fonte das contradições e imperfeições criadoras (Marcelo Gleiser).